segunda-feira, 16 de novembro de 2020

A Bazarov

 Um artigo no Público/ípsilon online (16/11/20): 

Os livros a branco e preto da Bazarov, a editora que nasceu durante a pandemia como provocação

A Bazarov é uma editora de ficção literária e de ensaio sediada no Porto, fundada por Ricardo Costa, que a quer deixar em legado ao filho. “Um projecto descomprometido, provocador e muito pessoal”.

Isabel Coutinho 

16 de Novembro de 2020, 22:28

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Ricardo Costa ao lado de algumas das obras que a Bazarov já publicou neste final de ano PAULO PIMENTA

Uma nova editora, com sede no Porto, foi lançada neste ano de confinamento. “Só podia ser lançada durante uma altura tão difícil, porque a Bazarov é pouco mais do que uma provocação”, afirma o seu fundador, Ricardo Costa, que aos 35 anos se sentia descontente com o panorama da edição em Portugal por comparação com a oferta de qualidade que diz ter em Londres, Inglaterra, onde vive, apesar de vir a Portugal com frequência.

Tinha de fazer alguma coisa para “salvar a educação cultural” que quer deixar ao seu filho, Sebastian. “Uma forma engraçada e eficaz de o fazer” era criar uma editora onde publicasse em português os livros de que gosta. “Sem qualquer tipo de compromisso comercial, sem qualquer tipo de expectativa comercial e financeira, bem pelo contrário. Um projecto descomprometido, provocador e muito pessoal”, conta ao PÚBLICO, numa conversa telefónica.

A Bazarov nasceu com a premissa de publicar dois livros por mês, um de ficção e outro de ensaio, com tiragens de 1500 exemplares. Era suposto que a editora tivesse começado em Junho passado, a esse ritmo, publicando 12 livros até Dezembro, mas por causa da pandemia de covid-19 o arranque foi adiado para Agosto, o que fez com que a concentração de lançamentos fosse maior. Para 2021, o objectivo é publicar ao ritmo inicialmente planeado. “Sendo que planos é algo de que não gosto muito; se me apetecer publicar mais, publicarei. Se quiser publicar menos, assim farei. E se me cansar, deixo de publicar”, explica Ricardo Costa. “O único compromisso é o bem-estar. A provocação já foi feita com o lançamento da Bazarov. Já li muitas coisas sobre a editora, umas com sentido e outras sem sentido nenhum. Agora tem de ser um exercício de prazer meu.”

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Os livros estão à venda em livrarias independentes, e também já estão disponíveis na Almedina e, desde a semana passada, nas lojas Fnac, que os têm em destaque com as suas capas distintas, a preto e branco. Embora em tempo de pandemia, confirma Ricardo Costa, o cenário seja dramático, com as encomendas curtíssimas e à consignação. “Quando os livros são vendidos é muito difícil receber o dinheiro, temos de andar atrás das pessoas. O que é uma pena, porque a Bazarov nasceu também com a premissa de pagar a tradutores, revisores e paginadores acima da média e a horas. Pagamos ao dia da entrega, era um compromisso de honra e continuamos a fazê-lo”, assegura o editor, que se formou em jornalismo na Faculdade de Letras da Universidade do Porto e passou pelo grupo Porto Editora (na assessoria de imprensa) antes de ir para Londres trabalhar como agente de serviço ao cliente. Nasceram oportunidades de negócio, que aproveitou investindo (umas correram bem, outras mal) e actualmente faz “investimentos em empresas das mais diferentes áreas, desde o marketing ao imobiliário.” Como viaja muito por causa do trabalho, tem tempo para ler.

A “quem tiver interesse na nova literatura, nas novas vozes que estão a surgir e poderão ficar por aí muito, muito tempo”, Ricardo Costa recomenda, por exemplo, Censo, do norte-americano Jesse Ball, Deserto Sonoro, da mexicana Valeria Luiselli, ou ainda Rio, da alemã Esther Kinsky. “Quem quiser uma literatura mais arrojada, mais irónica talvez, pode ler Os Fantasmas, do argentino César Aira. Quem quiser pensar um bocadinho sobre as coisas óbvias que estão à nossa volta pode ler ensaios como A Lua, do alemão Joachim Kalka, ou Uma História Natural do Vento, do australiano Lyall Watson. Quem quiser ser arrebatado pelas possibilidades ilimitadas da literatura pode escolher Uma Coisa Elementar, do norte-americano Eliot Weinberger. E quem quiser ler o que de melhor se escreveu sobre desporto, ténis em particular, pode ler Teoria das Cordas, de David Foster Wallace. Quem quiser saber de onde nasce o ensaio, pode ler o primeiro livro dedicado ao tema que publicámos, Ensaísmo, do irlandês Brian Dillon”, aconselha ainda o editor. Mas no catálogo da Bazarov estão também o russo Vladimir Sorokin (A Tempestade), o australiano Gerald Murnane (As Planícies) e o espanhol Paul B. Preciado (Um Apartamento em Urano).

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Entre as novidades que a Bazarov (www.bazarov.pt) vai publicar no primeiro semestre de 2021 estão Robert Walser (As Redacções de Fritz Kocher e Outras Histórias) e Robert Musil (com um livro de ensaios inédito em Portugal), dois autores que o editor queria muito editar porque, diz, são parte das suas referências, educação e formação. Mas também o volume Ensaios Completos, de Lydia Davis, e o livro muito premiado de Fernanda Melchor, Temporada de Furacões, além de obras de David Markson e Paolo Zellini.

Ricardo Costa, que no nome da editora faz uma homenagem à personagem do romance Pais e Filhos, do russo Ivan Turguéniev (Relógio D’Água), segue na editora alguns mandamentos: os seus livros são impressos em papel, não têm bonecos, são literatura “dura, que vai ao osso”, com linguagem pouco romantizada e directa. “Não quero que a editora seja um espelho daquilo que eu sou, mas que seja uma boa caricatura daquilo que sou para o meu filho. Um dia, quando ele puder ler os livros da Bazarov, vai saber do que o pai gostava. Esta é uma das pequenas coisas que lhe posso deixar.” Quis que os livros não tivessem desenhos, imagens ou cor até. “Queria que fossem [objectos] simples, onde a única coisa que interessasse fosse o texto, a palavra. Se queremos ver uma imagem bonita, vamos ao museu. Se queremos ler um livro não precisamos de imagens bonitas. Sempre quis que a Bazarov fosse um projecto sóbrio onde o texto fosse o protagonista.” Essa ideia foi passada ao britânico Andrew Howard, cujo estúdio no Porto assumiu a imagem da também portuense editora Ahab em 2009, e é agora responsável pelo design minimalista da editora — capas, paginação do miolo, logótipos.

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Ricardo Costa, editor da Bazarov PAULO PIMENTA

Os livros de capas brancas são de ensaio, os livros de capas pretas de ficção. Uma ideia que nasceu daquilo que faz a editora londrina Fitzcarraldo Editions com o azul. “Os livros de ensaio são brancos porque não têm mentira, os livros de ficção são pretos porque contêm mentira, pecado. Essa é a justificação que dei a mim próprio, apesar de não fazer sentido algum”, conta Ricardo Costa a rir-se.

A sua primeira ideia foi comprar uma editora que estivesse em dificuldades, mas as abordagens que fez não resultaram. Ao criar a Bazarov, não vivendo em Portugal e não sendo editor, nem conhecendo tradutores, precisava de alguém que o ajudasse. Por isso a coordenação editorial é assumida pela Caixa Alta, dos editores e tradutores Guilherme Pires (ex-editor da Elsinore, da 20/20 Editora) e Madalena Caramona. “Eu defino o que quero publicar e o Guilherme encontra os tradutores e revisores e coordena o trabalho destas pessoas. Quando o livro está pronto, vai para a gráfica, vem até mim. No fundo eu não sou mais do que um leitor aqui. Escolho os livros que quero publicar e contrato os direitos.”

 


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