O João Concha é um editor peculiar - mas muitos dos problemas que enfrenta são semelhantes (com diferenças de escala etc.) aos das outras editoras, até dos grandes grupos. Noutro sentido, uma grande editora em Portugal enfrenta desafios distintos duma congénere em Espanha, tal como uma distribuidora em Portugal depara com obstáculos distintos de uma no Brasil (embora tenham em comum um país centralizado; mas a distância entre Lisboa e Bragança é ligeiramente menor que a de S. Paulo a Manaus).
quinta-feira, 29 de abril de 2021
A propósito da Masterclass de ontem
O João Concha é um editor peculiar - mas muitos dos problemas que enfrenta são semelhantes (com diferenças de escala etc.) aos das outras editoras, até dos grandes grupos. Noutro sentido, uma grande editora em Portugal enfrenta desafios distintos duma congénere em Espanha, tal como uma distribuidora em Portugal depara com obstáculos distintos de uma no Brasil (embora tenham em comum um país centralizado; mas a distância entre Lisboa e Bragança é ligeiramente menor que a de S. Paulo a Manaus).
segunda-feira, 26 de abril de 2021
Livreiros, editoras, poder e leis do preço fixo
Este blog - Edição Exclusiva - é muito interessante porque é virado para profissionais. O artigo de hoje tem dupla pertinência porque é de um editor sólido na área (E-Primatur) que, ao irritar-se, fala com uma candura rara no negócio.
Porque é um negócio, embora também seja cultura. E, sendo cultura, o livro é também mercadoria. E não é óbvio quem são «os bons» e «os maus».
sábado, 24 de abril de 2021
No dia mundial do livro
https://amensagem.pt/2021/04/23/dia-mundial-do-livro-livrarias-lisboa/
E, via Sofia Escourido (editora da Leya, ex-aluna do mestrado) estes cartoons de Ricardo Siri Liniers:
sexta-feira, 23 de abril de 2021
Nova sala e perfil do convidado
As próximas aulas serão na sala B307 (edifício principal, terceiro piso.).
E uma entrevista a João Concha.
quinta-feira, 22 de abril de 2021
Conto sobre um Poema de Bashô por base
“olhando a imagem de um homem
bebendo sozinho
bebendo saké
sem flores nem lua –
estou só”[1]
Bashô foi um poeta e, como todos os
poetas, gostava de estar só. Foi um poeta etéreo e do quotidiano, capaz de ver
numa folha caída a infinita perfeição do universo.
Mas, como todos os poetas, o que o
atraía mais era a vida de poeta, e daí o grande tomo em português denominado “O
Eremita Viajante” ser um livro com um título perfeito. Bashô gostava de
caminhar, sozinho ou acompanhado, sem destino muitas vezes.
Triste, solitário e cheio de
subtilezas os seus poemas transpiram a passagem do tempo e do regresso sempre
igual das estações.
Bashô conheceu uma mulher pela qual
se apaixonou. Chamava-se Aziul. Bashô, pobre e meditabundo, nada lhe podia
oferecer senão trabalho e cansaço. Por timidez conteve a sua paixão só para si.
Não foi nenhum desejo de grandeza, foi um gesto de quem está habituado à
solidão e ao que a faz passar minimizando a dor.
Bashô por toda a sua vida cultivou
este amor secreto que aliás nunca tentaria concretizar. Bebia saké, como na
imagem de um homem bebendo sozinho, que deu origem ao seu haiku. Comia arroz,
mas era frugal. Pouco comia e bebia pouco também, embora a doce bebida
destilada de arroz com álcool lhe hipnotizasse os sentidos. Viveu assim até
morrer, e em toda a sua vida, de forma a poupar o sofrimento dos outros que o
conheciam.
Bashô não foi um artista de
variedades, mas sim de um arte só: a de escrever haikus. E no seio desta arte
talvez tenha sido o poeta maior de todos os tempos. Mas foi infeliz como homem.
E porquê? Porque amava Aziul.
Até no seu sofrimento Bashô foi
igual a muitos outros poetas. Não só a solidão pungente, a pobreza que dele
fazia um escravo de outros senhores, mas também o amor que nunca se realizou
com a suma amada Aziul.
Aziul era de média altura, tinha um
sorriso branco perfeito, um cabelo castanho macio e grosso, uns lábios rosados
pequenos e plenos de promessas.
As promessas dos lábios de Aziul
nunca ele Bashô ouviria. Teria chorado se não fosse um homem de um tempo em que
os homens não choravam. Matavam, comiam e riam. Bebiam também. E isso era assim
como no dia de hoje um desses homens facilmente testasse positivo num teste de
psicopatia. Naqueles tempos era o ideal de virilidade.
Os sonhos de Bashô eram preenchidos
por haikus e Aziul. Mesmo que só por leveza (própria de um poeta) as flores, as
folhas, o ar, o fogo, a terra, tudo nele era observado e registado poeticamente
a partir desse grande amor que tinha por Aziul.
Aziul era extremamente bela, pesar a
sua pobreza. Nunca tivera uma educação para ser mulher, e o pó de arroz de
Geisha não lhe assentava bem. Tinha uma beleza natural, era simétrica de
feições e de membros. Só sabia trabalhar – que fora o seu único ofício, nos
campos de arroz. E de arroz não percebia dos pós, só da semeia e da colheita.
Mesmo assim a condição de Bashô era
funesta. Não era tão pobre como o trabalhador dos campos mais pobre ainda, mas
era um poeta, e esta sua condição não lhe assegurava um concubinato mas sim uma
vida de palavras no papel. Esta era a sua função numa sociedade em que as
pessoas ainda tinham funções. E terão as funções de facto desaparecido?
Curioso era o laço que unia Bashô a
Aziul, mas como se percebe Aziul nunca viu esse laço. Era mais fácil assim para
Bashô também e as únicas palavras que eles trocaram toda a sua vida foram
saudações.
Duro amor.
Os próprios poemas não podiam
enaltecer os sapatinhos de Aziul, ou as suas bochechas ou lábios, porque
tornaria ridículo o vínculo ilusório e delirante que o unia a ela.
Na verdade um vínculo é uma
formalidade deste conto, uma forma de dar um nome ao que Bashô sentia pela
simplicidade humana de Aziul.
Habituado às complicadas maneiras
aristocráticas Bashô preferiu banhos de sol ou de chuva. Caminhou para percorrer
caminhos vazios, sem destino mesmo.
A natureza da religiosidade nipónica
é a da tradição do budismo Zen. Primeiro era esse o passo. O poeta não difere
dos sentimentos religiosos da época. Neste caso digamos que Bashô era, como
outros poetas, um poeta itinerante. Abriam-se caminhos para ele caminhar com os
pés e outros com as palavras.
Não havia caminho nenhum para Bashô
amar Aziul. Desse modo viveu, até ao fim dos seus dias. Bashô era poeta, e os
poetas vivem assim.
Bibliografia
BASHÔ, Matsuo, O Eremita
Viajante [haikus – obra completa], Portugal, Assírio & Alvim, 2016
BASHÔ, Matsuo, The Narrow Road to the Deep North, UK (United Kingdom), Penguin
Classics (Random House UK), 2020 edition based on 1966 translation by Nobuyuki
Yuasa
HENSHALL, Kenneth, História do Japão (translation from A History of Japan: From Stone Age to Superpower), Lisboa, Edições
70, 2011
Nelson Manuel Alves e Silva
[1] BASHÔ, Matsuo, O Eremita Viajante [haikus – obra completa],
Portugal, Assírio & Alvim, 2016, haiku 472, Pág. 170
quarta-feira, 21 de abril de 2021
(Mais) Exercícios 26 e 27
Filipe Heath
26. Título: Um ser cansado
Destaque: A única coisa que
posso fazer é deitar-me na escuridão, protegido da luz e do barulho e do frio…
Género: Crónica
Destaque: se me pregam outra
partida como esta vão ver como é que eu sou por dentro porque lá por dentro sou
má como as cobras (…)
Tretas tretas tretas. A mim é que não me levam mais, era o que faltava. Ou um ou outro, é um aldrabão. Disseram-me que o pai natal descia pela chaminé e eu acendi o fogão para lhe queimar o rabo para ele dar um grito para eu o ver e nicles. Quem ficou com o rabo a arder fui eu que levei bumba no toutiço por ter gasto gás. É só para ver como as coisas são. Disseram-me que ele trazia presentes do céu e o que ele me trouxe foi uma camisola que eu vi numa montra duma loja em saldo, com o preço e tudo. Isto quer dizer que: o Céu fica na Rua dos Fanqueiros ou que me aldrabaram por eu ser criança. É o que eu digo: mentem à gente mal a gente nasce e depois queixam-se de que a gente em grande queira ir para a política. Outra coisa que o pai natal me deu foi um compêndio de Ciências Naturais aprovado para o primeiro ano. Ora abóbora que se eu fosse má até ficava a pensar que o pai natal é o meu pai, o que vale é que eu sou boa até ver. Sim, até ver que se me pregam outra partida como esta vão ver como é que eu sou por dentro, porque lá por dentro sou má como as cobras. Se julgam que eu saio à minha Mãe enganam-se. Lá no fundo eu saio ao meu pai mas não quero que se saiba para salvar o toutiço, que se ele adivinha isso é bumba no toutiço até mais não. Outra malandrice que me fizeram foi darem-me um cavalinho de madeira que o meu avô comprou para levar à maternidade quando eu nasci a pensar que eu era menino mas o diabo do velho quando viu a enfermeira mudar-me a fralda meteu o cavalinho no bolso e foi a correr comprar uma roca de prata porque nesse tempo o plástico ainda era caro e levou o cavalinho para casa para quando viesse um menino e como nunca veio, porque em Paris deixaram-se de fazer coisas dessas e agora fazem outras, o tal cavalinho foi escondido numa mala muito velha.
Exercícios 26 e 27
Raquel Paixão
Exercício 26: Encontre título e destaque para o texto abaixo. (Indique também o género, embora seja quase insultuoso eu fazer esta pergunta.)
Título: Sem Cura
Destaque: Mas a cabeça também não ajuda. Por que é que o ser
humano é incapaz de ter uma doença ou uma dor sem arranjar uma maneira de
conseguir sentir-se culpado por ela?
Género: Crónica
Exercício 27. Dê um título, faça um destaque e insira a pontuação (parágrafos inclusive, se achar convenientes) no texto abaixo:
Título: Só Tretas!
Destaque: É o que eu
digo, mentem à gente mal a gente nasce e depois queixam-se de que a gente
em grande queira ir para a política!
Pontuação:
Tretas, tretas, tretas… A mim é que
não me levam mais, era o que faltava! Ou um ou outro é um
aldrabão. Disseram-me que o Pai Natal descia pela chaminé e eu
acendi o fogão para lhe queimar o rabo, para ele dar um grito para eu o
ver, e nicles… Quem ficou com o rabo a arder fui eu, que levei bumba
no toutiço por ter gasto gás! É só para ver como as coisas são, disseram-me
que ele trazia presentes do Céu e o que ele me trouxe foi uma camisola que
eu vi numa montra duma loja em saldo, com o preço e tudo. Isto quer
dizer que o Céu fica na Rua dos Fanqueiros ou que me aldrabaram por eu ser
criança. É o que eu digo, mentem à gente mal a gente nasce e
depois queixam-se de que a gente em grande queira ir para a política! Outra
coisa que o Pai Natal me deu foi um compêndio de Ciências Naturais
aprovado para o primeiro ano. Ora abóbora, que se eu fosse má até
ficava a pensar que o Pai Natal é o meu pai! O que vale é
que eu sou boa, até ver… sim até ver, que se me pregam outra partida
como esta vão ver como é que eu sou por dentro, porque lá por dentro sou
má como as cobras. Se julgam que eu saio à minha
Mãe, enganam-se. Lá no fundo, eu saio ao meu pai, mas não
quero que se saiba para salvar o toutiço, que se ele adivinha isso é
bumba no toutiço até mais não! Outra malandrice que me fizeram foi
darem-me um cavalinho de madeira que o meu avô comprou para levar à maternidade
quando eu nasci, a pensar que eu era menino. Mas o diabo do velho quando
viu a enfermeira mudar-me a fralda, meteu o cavalinho no bolso e foi a
correr comprar uma roca de prata (porque nesse tempo o plástico ainda era
caro) e levou o cavalinho para casa para quando viesse um
menino. E como nunca veio porque em Paris deixaram-se de fazer coisas
dessas e agora fazem outras, o tal cavalinho foi escondido numa mala muito
velha onde eu o encontrei há mais de cinco anos. Estou farta de brincar
com ele sem ninguém saber e vai este ano, bumba, apareceu-me no
sapato como se fosse um presente do Pai Natal… assim não
vale, abóbora! Que ou a gente é séria ou não é, isto até faz com que
se perca o respeito pela família terrestre e pela família celeste. Que o
meu pai queira enganar o Pai Natal vendendo-lhe cavalinhos velhos e
Compêndios de Liceu, ainda eu entendo. Agora, que ele os compre
se calhar pelo dobro do preço é que não entendo nem à bala. São estas
coisas que fazem a gente perder a fé, e depois espantam-se! Outra
porcaria que me fez o Pai Natal foi dizer ao meu pai que este ano os
presentes eram fracotes por causa da crise que há no Céu. Mas então se
aquilo é igual à Terra, para que é que lhe chamam Céu? Anda a gente a
privar-se de coisas para ir para o Céu e chega lá e, bumba, aquilo é
como a Graça ou como o Areeiro! Eu é que não vou nisso e se as coisas
não mudam, para o ano faço de conta que não sei da crise e mando uma
reclamação para o deputado que me representa na Assembleia e
o Pai Natal vai ver como é que as moscas picam. Para aprender a
ser profissional a valer, que isto dum Pai Natal amador não
interessa a ninguém e muito menos a esta vossa Guidinha, que não está cá
por ver andar os outros.
terça-feira, 20 de abril de 2021
Exercícios 26 e 27
Tagiane Mai
26:
Título: Autoagressão cintilante
Título: Tretas natalinas
Destaque: Coisas do Pai Natal que fazem Guidinha perder a fé.
Tretas, tretas, tretas. //A mim é que não me levam mais – era o que faltava. Ou um ou outro é um aldrabão. //Disseram-me que o pai natal descia pela chaminé, e eu acendi o fogão para lhe queimar o rabo, para ele dar um grito, para eu o ver, e nicles. Quem ficou com o rabo a arder fui eu, que levei bumba no toutiço por ter gasto gás. É só para ver como as coisas são... //Disseram-me que ele trazia presentes do céu, e o que ele me trouxe foi uma camisola que eu vi numa montra duma loja em saldo com o preço, e tudo isto quer dizer que o Céu fica na Rua dos Fanqueiros ou que me aldrabaram por eu ser criança. É o que eu digo: mentem à gente mal a gente nasce e depois queixam-se de que a gente em grande queira ir para a política! //Outra coisa que o pai natal me deu foi um compêndio de Ciências Naturais aprovado para o primeiro ano. Ora abóbora, que se eu fosse má até ficava a pensar que o pai natal é o meu pai. O que vale é que eu sou boa, até ver, sim, até ver, que se me pregam outra partida como esta vão ver como é que eu sou por dentro, porque lá por dentro sou má como as cobras. Se julgam que eu saio à minha Mãe, enganam-se; lá no fundo, eu saio ao meu pai, mas não quero que se saiba para salvar o toutiço, que, se ele adivinha isso, é bumba no toutiço até mais não. //Outra malandrice que me fizeram foi darem-me um cavalinho de madeira que o meu avô comprou para levar à maternidade quando eu nasci (a pensar que eu era menino), mas o diabo do velho, quando viu a enfermeira mudar-me a fralda, meteu o cavalinho no bolso e foi a correr comprar uma roca de prata, porque nesse tempo o plástico ainda era caro, e levou o cavalinho para casa, para quando viesse um menino, e como nunca veio, porque em Paris deixaram-se de fazer coisas dessas e agora fazem outras, o tal cavalinho foi escondido numa mala muito velha onde eu o encontrei há mais de cinco anos. Estou farta de brincar com ele sem ninguém saber, e vai este ano... Bumba! Apareceu-me no sapato como se fosse um presente do pai natal. Assim não vale, abóbora, que ou a gente é séria ou não é. Isto até faz com que se perca o respeito pela família terrestre e pela família celeste. Que o meu pai queira enganar o pai natal vendendo-lhe cavalinhos velhos e Compêndios de Liceu ainda eu entendo. Agora, que ele os compre – se calhar pelo dobro do preço! – é que não entendo nem à bala. São estas coisas que fazem a gente perder a fé, e depois espantam-se... //Outra porcaria que me fez o pai natal foi dizer ao meu pai que este ano os presentes eram fracotes por causa da crise que há no Céu. Mas então se aquilo é igual à Terra, para que é que lhe chamam Céu? Anda a gente a privar-se de coisas para ir para o Céu e chega lá e bumba, aquilo é como a Graça ou como o Areeiro. Eu é que não vou nisso e, se as coisas não mudam para o ano, faço de conta que não sei da crise e mando uma reclamação para o deputado que me representa na assembleia, e o pai natal vai ver como é que as moscas picam, para aprender a ser profissional a valer, que isto dum pai natal amador não interessa a ninguém, e muito menos a esta vossa Guidinha que não está cá por ver andar os outros.
Exercícios 26 e 27
Daniel Regis
Título: Dádiva e maldição
Destaque: A única coisa que posso fazer é deitar-me na escuridão, protegido da luz e do barulho e do frio…
Gênero: Crônica
Escrevo estas palavras letra a letra na escuridão. E porquê? Porque a luz do sol dá-me enxaquecas. Sempre deu.
Ando eu não sei quantos meses à espera dessa luz que só começa na Primavera e, quando chega, como chegou este fim-de-semana, fico tão deslumbrado que me deito a perder.
Se calhar, abro de mais os olhos e deixo-me atingir pelo cortante dos raios que me furam a vista – a maldita “aura” que anuncia cada enxaqueca – e, passado um bocadinho, arrancam do meu olho direito uma dor debilitante que é como se estivesse a ser apertado num torno.
A única coisa que posso fazer é deitar-me na escuridão, protegido da luz e do barulho e do frio, esperando que o sono e os vómitos tenham pena de mim.
É assim desde os meus 11, 12 anos. Passou da minha mãe para mim e de mim para a minha filha Sara. Não há nada a fazer.
Mas a cabeça também não ajuda. Por que é que o ser humano é incapaz de ter uma doença ou uma dor sem arranjar uma maneira de conseguir sentir-se culpado por ela?
Somos ajudados pelo nosso pendor para o melodrama. Eu aqui, por exemplo, vejo-me aflito para não fazer como o frei Hermano e não me entregar todo à ideia que as dores que me causam a luz do sol são causadas pelo desejo que sinto por ela.
Sou ferido pelo que mais me atrai. É o brilho que me faz abrir os olhos que os expõe à queimadura fatal da luz.
Raios partam o talento que temos para transformar qualquer dor em castigo por um prazer qualquer que conseguimos roubar ao mundo.
————————————————————————————————————————
Título: O pai natal precisa melhorar, mas ninguém se importa
Destaque: Isto quer dizer que o Céu fica na Rua dos Fanqueiros ou que me aldrabaram por eu ser criança.
Tretas, tretas, tretas… a mim é que não me levam mais. Era o que faltava; ou um ou outro. É um aldrabão. Disseram-me que o pai natal descia pela chaminé e eu acendi o fogão para lhe queimar o rabo, para ele dar um grito para eu o ver, e nicles. Quem ficou com o rabo a arder fui eu, que levei bumba no toutiço por ter gasto gás. É só para ver como as coisas são. // Disseram-me que ele trazia presentes do céu e o que ele me trouxe foi uma camisola que eu vi numa montra duma loja em saldo com o preço e tudo. Isto quer dizer que o Céu fica na Rua dos Fanqueiros ou que me aldrabaram por eu ser criança, é o que eu digo. Mentem à gente mal a gente nasce e depois queixam-se de que a gente, em grande, queira ir para a política. // Outra coisa que o pai natal me deu foi um compêndio de Ciências Naturais aprovado para o primeiro ano. Ora, abóbora, que se eu fosse má até ficava a pensar que o pai natal é o meu pai. O que vale é que eu sou boa até ver. Sim, até ver que se me pregam outra partida como esta vão ver como é que eu sou por dentro, porque lá por dentro sou má como as cobras. Se julgam que eu saio à minha Mãe, enganam-se. Lá no fundo, eu saio ao meu pai, mas não quero que se saiba. Para salvar o toutiço que, se ele adivinha, isso é bumba no toutiço até mais não… // Outra malandrice que me fizeram foi darem-me um cavalinho de madeira que o meu avô comprou para levar à maternidade quando eu nasci (a pensar que eu era menino), mas o diabo do velho, quando viu a enfermeira mudar-me a fralda, meteu o cavalinho no bolso e foi a correr comprar uma roca de prata, porque nesse tempo o plástico ainda era caro, e levou o cavalinho para casa para quando viesse um menino e, como nunca veio… Porque em Paris deixaram-se de fazer coisas dessas e agora fazem outras. O tal cavalinho foi escondido numa mala muito velha — onde eu o encontrei há mais de cinco anos. Estou farta de brincar com ele sem ninguém saber. // E vai, este ano, bumba apareceu-me no sapato como se fosse um presente do pai natal. Assim não vale, abóbora. Que ou a gente é séria ou não é. Isto até faz com que se perca o respeito pela família terrestre e pela família celeste. Que o meu pai queira enganar o pai natal vendendo-lhe cavalinhos velhos e Compêndios de Liceu ainda, eu entendo, agora, que ele os compre, se calhar, pelo dobro do preço, é que não entendo. Nem à bala são estas coisas que fazem a gente perder a fé e depois espantam-se… // Outra porcaria que me fez o pai natal foi dizer ao meu pai que este ano os presentes eram fracotes por causa da crise que há no Céu, mas então, se aquilo é igual à Terra, para que é que lhe chamam Céu. Anda a gente a privar-se de coisas para ir para o Céu e chega lá e… bumba! Aquilo é como a Graça ou como o Areeiro; eu é que não vou nisso. E se as coisas não mudam para o ano, faço de conta que não sei da crise e mando uma reclamação para o deputado que me representa na assembleia e o pai natal vai ver como é que as moscas picam, para aprender a ser profissional. A valer que isto dum pai natal amador não interessa a ninguém e muito menos a esta vossa Guidinha, que não está cá por ver andar os outros.
segunda-feira, 19 de abril de 2021
Exercícios 26 e 27 (ft. Esteves Cardoso e Sttau Monteiro)
Ana Filipa Leite
Exercício 26: Encontre título e destaque para o texto abaixo. (Indique também o género, embora seja quase insultuoso eu fazer esta pergunta.)
Título: O sol quer-me mal
Destaque: Sou ferido pelo que mais me atrai. Fico tão deslumbrado que me deito a perder.
(Género: Crónica)
Exercício 27. Insira pontuação (parágrafos também, se considerar importantes, use //) , título e destaque no seguinte texto:
Título: O Natal é só malandrices
Destaque: Isto até faz com que se perca o respeito pela família terrestre e pela família celeste.
Tretas, tretas, tretas. A mim é que não me levam mais, era o que faltava. Ou um ou outro é um aldrabão. // Disseram-me que o Pai Natal descia pela chaminé e eu acendi o fogão para lhe queimar o rabo, para ele dar um grito, para eu o ver. E nicles. Quem ficou com o rabo a arder fui eu, que levei bumba no toutiço por ter gasto gás! // É só para ver como as coisas são: disseram-me que ele trazia presentes do Céu e o que ele me trouxe foi uma camisola que eu vi numa montra duma loja em saldo, com o preço e tudo. Isto quer dizer que o Céu fica na Rua dos Fanqueiros ou que me aldrabaram por eu ser criança. É o que eu digo, mentem à gente mal a gente nasce e depois queixam-se de que a gente em grande queira ir para a política. // Outra coisa que o Pai Natal me deu foi um compêndio de Ciências Naturais aprovado para o primeiro ano. Ora, abóbora, que se eu fosse má até ficava a pensar que o Pai Natal é o meu pai! O que vale é que eu sou boa – até ver. Sim, até ver, que se me pregam outra partida como esta vão ver como é que eu sou por dentro, porque lá por dentro sou má como as cobras. Se julgam que eu saio à minha Mãe, enganam-se. Lá no fundo, eu saio ao meu pai, mas não quero que se saiba, para salvar o toutiço. Que se ele adivinha, isso é bumba no toutiço até mais não! // Outra malandrice que me fizeram foi darem-me um cavalinho de madeira que o meu avô comprou para levar à maternidade quando eu nasci, a pensar que eu era menino. Mas o diabo do velho, quando viu a enfermeira mudar-me a fralda, meteu o cavalinho no bolso e foi a correr comprar uma roca de prata (porque nesse tempo o plástico ainda era caro) e levou o cavalinho para casa para quando viesse um menino. E como nunca veio, porque em Paris deixaram-se de fazer coisas dessas e agora fazem outras, o tal cavalinho foi escondido numa mala muito velha, onde eu o encontrei há mais de cinco anos. Estou farta de brincar com ele sem ninguém saber e vai este ano, bumba, apareceu-me no sapato como se fosse um presente do Pai Natal. // Assim não vale, abóbora, que ou a gente é séria ou não é! Isto até faz com que se perca o respeito pela família terrestre e pela família celeste. Que o meu pai queira enganar o Pai Natal vendendo-lhe cavalinhos velhos e Compêndios de Liceu, ainda eu entendo. Agora, que ele os compre se calhar pelo dobro do preço é que não entendo nem à bala. São estas coisas que fazem a gente perder a fé, e depois espantam-se! // Outra porcaria que me fez o Pai Natal foi dizer ao meu pai que este ano os presentes eram fracotes por causa da crise que há no Céu. Mas então se aquilo é igual à Terra, para que é que lhe chamam Céu? Anda a gente a privar-se de coisas para ir para o Céu e chega lá e, bumba, aquilo é como a Graça ou como o Areeiro! Eu é que não vou nisso e, se as coisas não mudam, para o ano faço de conta que não sei da crise e mando uma reclamação para o deputado que me representa na Assembleia e o Pai Natal vai ver como é que as moscas picam. Para aprender a ser profissional a valer, que isto dum Pai Natal amador não interessa a ninguém, e muito menos a esta vossa Guidinha, que não está cá por ver andar os outros.
Aula presencial e masterclass - S1
A próxima aula (e, com sorte, as seguintes) será na S1, no piso -1 da Torre A, descendo as escadas.
Na aula de dia 28 teremos como convidado o editor João Concha, das não edições. Poderia aqui pôr o seu CV, mas tirar-vos-ia o prazer de o pesquisarem..
Exercícios 26 & 27 - Propostas de resolução
Joana Camões Pereira
26. Encontre título e destaque para o texto abaixo. (Indique também o género, embora seja quase insultuoso eu fazer esta pergunta.)
Título: Sol de Primavera
Destaque: É o brilho que me faz abrir os olhos que os expõe à queimadura fatal da luz.
(Género: Crónica)
Escrevo estas palavras letra a letra na escuridão. E porquê? Porque a luz do sol dá-me enxaquecas. Sempre deu.
Ando eu não sei quantos meses à espera dessa luz que só começa na Primavera e, quando chega, como chegou este fim-de-semana, fico tão deslumbrado que me deito a perder.
Se calhar, abro de mais os olhos e deixo-me atingir pelo cortante dos raios que me furam a vista – a maldita “aura” que anuncia cada enxaqueca – e, passado um bocadinho, arrancam do meu olho direito uma dor debilitante que é como se estivesse a ser apertado num torno.
A única coisa que posso fazer é deitar-me na escuridão, protegido da luz e do barulho e do frio, esperando que o sono e os vómitos tenham pena de mim.
É assim desde os meus 11, 12 anos. Passou da minha mãe para mim e de mim para a minha filha Sara. Não há nada a fazer.
Mas a cabeça também não ajuda. Por que é que o ser humano é incapaz de ter uma doença ou uma dor sem arranjar uma maneira de conseguir sentir-se culpado por ela?
Somos ajudados pelo nosso pendor para o melodrama. Eu aqui, por exemplo, vejo-me aflito para não fazer como o frei Hermano e não me entregar todo à ideia que as dores que me causam a luz do sol são causadas pelo desejo que sinto por ela.
Sou ferido pelo que mais me atrai. É o brilho que me faz abrir os olhos que os expõe à queimadura fatal da luz.
Raios partam o talento que temos para transformar qualquer dor em castigo por um prazer qualquer que conseguimos roubar ao mundo.
27. Insira pontuação (parágrafos também, se considerar importantes, use //) , título e destaque no seguinte texto:
Título: Aldrabices de Natal
Destaque: Ora, abóbora, que, se eu fosse má, até ficava a pensar que o pai natal é o meu pai.
Tretas, tretas, tretas. A mim é que não me levam, mais era o que faltava! Ou um ou outro é um aldrabão. Disseram-me que o pai natal descia pela chaminé e eu acendi o fogão para lhe queimar o rabo, para ele dar um grito, para eu o ver. E nicles. Quem ficou com o rabo a arder fui eu, que levei bumba no toutiço por ter gasto gás. É só para ver como as coisas são. Disseram-me que ele trazia presentes do céu e o que ele me trouxe foi uma camisola que eu vi numa montra duma loja em saldo, com o preço e tudo isto! Quer dizer que o Céu fica na Rua dos Fanqueiros?, ou que me aldrabaram por eu ser criança? É o que eu digo — mentem à gente mal a gente nasce e depois queixam-se de que a gente em grande queira ir para a política. // Outra coisa que o pai natal me deu foi um compêndio de Ciências Naturais aprovado para o primeiro ano. Ora, abóbora, que, se eu fosse má, até ficava a pensar que o pai natal é o meu pai. O que vale é que eu sou boa até ver, sim, até ver, que se me pregam outra partida como esta, vão ver como é que eu sou por dentro, porque lá por dentro sou má como as cobras. Se julgam que eu saio à minha Mãe, enganam-se! Lá no fundo, eu saio ao meu pai, mas não quero que se saiba para salvar o toutiço, que se ele adivinha isso, é bumba no toutiço até mais não. // Outra malandrice que me fizeram foi darem-me um cavalinho de madeira que o meu avô comprou para levar à maternidade quando eu nasci a pensar que eu era menino, mas o diabo do velho, quando viu a enfermeira mudar-me a fralda, meteu o cavalinho no bolso e foi a correr comprar uma roca de prata, porque nesse tempo o plástico ainda era caro, e levou o cavalinho para casa para quando viesse um menino, e como nunca veio, porque em Paris deixaram-se de fazer coisas dessas e agora fazem outras, o tal cavalinho foi escondido numa mala muito velha onde eu o encontrei há mais de cinco anos. Estou farta de brincar com ele sem ninguém saber e vai este ano, bumba, apareceu-me no sapato como se fosse um presente do pai natal. Assim não vale, abóbora, que ou a gente é séria ou não é. Isto até faz com que se perca o respeito pela família terrestre e pela família celeste. Que o meu pai queira enganar o pai natal vendendo-lhe cavalinhos velhos e Compêndios de Liceu, ainda eu entendo, agora que ele os compre se calhar pelo dobro do preço é que não entendo nem à bala. São estas coisas que fazem a gente perder a fé e depois espantam-se! // Outra porcaria que me fez o pai natal foi dizer ao meu pai que este ano os presentes eram fracotes por causa da crise que há no Céu, mas então se aquilo é igual à Terra, para que é que lhe chamam Céu? Anda a gente a privar-se de coisas para ir para o Céu e chega lá e, bumba, aquilo é como a Graça ou como o Areeiro. Eu é que não vou nisso e se as coisas não mudam para o ano faço de conta que não sei da crise e mando uma reclamação para o deputado que me representa na assembleia e o pai natal vai ver como é que as moscas picam, para aprender a ser profissional a valer. Que isto dum pai natal amador não interessa a ninguém e muito menos a esta vossa Guidinha, que não está cá por ver andar os outros.
27. Insira pontuação (parágrafos também, se considerar
importantes, use //) , título e destaque no seguinte texto:
Título: Disseram-me que devo queimar o rabo do pai natal
Tretas tretas tretas a mim é que não me levam mais,
era o que faltava. Ou um ou outro é um aldrabão. Disseram-me que o pai natal
descia pela chaminé e eu acendi o fogão para lhe queimar o rabo. Para ele dar
um grito para eu o ver e nicles. Quem ficou com o rabo a arder fui eu que levei
bumba no toutiço por ter gasto gás. É só para ver como as coisas são
disseram-me que ele trazia presentes do céu e o que ele me trouxe foi uma
camisola que eu vi numa montra duma loja em saldo com o preço e tudo isto quer
dizer que o Céu fica na Rua dos Fanqueiros ou que me aldrabaram por eu ser
criança. É o que eu digo: mentem à gente mal a gente nasce e depois queixam-se
de que a gente em grande queira ir para a política. Outra coisa que o pai natal
me deu foi um compêndio de Ciências Naturais aprovado para o primeiro ano. Ora
abóbora que se eu fosse má até ficava a pensar que o pai natal é o meu pai. O
que vale é que eu sou boa até ver sim até ver que se me pregam outra partida
como esta vão ver como é que eu sou por dentro. Porque lá por dentro sou má
como as cobras se julgam que eu saio à minha Mãe. Enganam-se lá no fundo eu
saio ao meu pai mas não quero que se saiba para salvar o toutiço que se ele
adivinha isso é bumba no toutiço até mais não. Outra malandrice que me fizeram
foi darem-me um cavalinho de madeira que o meu avô comprou para levar à
maternidade quando eu nasci a pensar que eu era menino, mas o diabo do velho
quando viu a enfermeira mudar-me a fralda meteu o cavalinho no bolso e foi a
correr comprar uma roca de prata porque nesse tempo o plástico ainda era caro e
levou o cavalinho para casa para quando viesse um menino e como nunca veio
porque em Paris deixaram-se de fazer coisas dessas, e agora fazem outras, o tal
cavalinho foi escondido numa mala muito velha onde eu o encontrei há mais de
cinco anos. Estou farta de brincar com ele sem ninguém saber e vai este ano
bumba apareceu-me no sapato como se fosse um presente do pai natal. Assim não
vale abóbora que ou a gente é séria ou não é. Isto até faz com que se perca o
respeito pela família terrestre e pela família celeste, que o meu pai queira
enganar o pai natal vendendo-lhe cavalinhos velhos e Compêndios de Liceu ainda
eu entendo, agora que ele os compre se calhar pelo dobro do preço é que não
entendo. Nem à bala. São estas coisas que fazem a gente perder a fé e depois
espantam-se. Outra porcaria que me fez o pai natal foi dizer ao meu pai que
este ano os presentes eram fracotes por causa da crise que há no Céu mas então
se aquilo é igual à Terra para que é que lhe chamam Céu anda a gente a
privar-se de coisas para ir para o Céu e chega lá e bumba aquilo é como a Graça
ou como o Areeiro. Eu é que não vou nisso e se as coisas não mudam para o ano
faço de conta que não sei da crise e mando uma reclamação para o deputado que
me representa na assembleia e o pai natal vai ver como é que as moscas picam
para aprender a ser profissional a valer, que isto dum pai natal amador não
interessa a ninguém e muito menos a esta vossa Guidinha que não está cá por ver
andar os outros.
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