quinta-feira, 29 de abril de 2021

A propósito da Masterclass de ontem




 O João Concha é um editor peculiar - mas muitos dos problemas que enfrenta são semelhantes (com diferenças de escala etc.) aos das outras editoras, até dos grandes grupos. Noutro sentido, uma grande editora em Portugal enfrenta desafios distintos duma congénere em Espanha, tal como uma distribuidora em Portugal depara com obstáculos distintos de uma no Brasil (embora tenham em comum um país centralizado; mas a distância entre Lisboa e Bragança é ligeiramente menor que a de S. Paulo a Manaus). 


Sugiro que vejam e sigam a (não) edições e que, a propósito, vejam o booktrailer de um livro do António Jorge Gonçalves, grande ilustrador português - que será lançado amanhã no Teatro D. Maria. O facebook é hoje um instrumento de trabalho e há muita gente (autores, editoras, livrarias etc.) interessante a seguir, até porque é do seu interesse que o trabalho seja visto. 


segunda-feira, 26 de abril de 2021

Livreiros, editoras, poder e leis do preço fixo

Este blog - Edição Exclusiva - é muito interessante porque é virado para profissionais. O artigo de hoje tem dupla pertinência porque é de um editor sólido na área (E-Primatur) que, ao irritar-se, fala com uma candura rara no negócio. 

Porque é um negócio, embora também seja cultura. E, sendo cultura, o livro é também mercadoria. E não é óbvio quem são «os bons» e «os maus». 

sexta-feira, 23 de abril de 2021

quinta-feira, 22 de abril de 2021

Conto sobre um Poema de Bashô por base

 

            “olhando a imagem de um homem bebendo sozinho

 

                        bebendo saké

                        sem flores nem lua –

                        estou só”[1]

 

            Bashô foi um poeta e, como todos os poetas, gostava de estar só. Foi um poeta etéreo e do quotidiano, capaz de ver numa folha caída a infinita perfeição do universo.

            Mas, como todos os poetas, o que o atraía mais era a vida de poeta, e daí o grande tomo em português denominado “O Eremita Viajante” ser um livro com um título perfeito. Bashô gostava de caminhar, sozinho ou acompanhado, sem destino muitas vezes.

            Triste, solitário e cheio de subtilezas os seus poemas transpiram a passagem do tempo e do regresso sempre igual das estações.

            Bashô conheceu uma mulher pela qual se apaixonou. Chamava-se Aziul. Bashô, pobre e meditabundo, nada lhe podia oferecer senão trabalho e cansaço. Por timidez conteve a sua paixão só para si. Não foi nenhum desejo de grandeza, foi um gesto de quem está habituado à solidão e ao que a faz passar minimizando a dor.

            Bashô por toda a sua vida cultivou este amor secreto que aliás nunca tentaria concretizar. Bebia saké, como na imagem de um homem bebendo sozinho, que deu origem ao seu haiku. Comia arroz, mas era frugal. Pouco comia e bebia pouco também, embora a doce bebida destilada de arroz com álcool lhe hipnotizasse os sentidos. Viveu assim até morrer, e em toda a sua vida, de forma a poupar o sofrimento dos outros que o conheciam.

            Bashô não foi um artista de variedades, mas sim de um arte só: a de escrever haikus. E no seio desta arte talvez tenha sido o poeta maior de todos os tempos. Mas foi infeliz como homem. E porquê? Porque amava Aziul.

            Até no seu sofrimento Bashô foi igual a muitos outros poetas. Não só a solidão pungente, a pobreza que dele fazia um escravo de outros senhores, mas também o amor que nunca se realizou com a suma amada Aziul.

            Aziul era de média altura, tinha um sorriso branco perfeito, um cabelo castanho macio e grosso, uns lábios rosados pequenos e plenos de promessas.

            As promessas dos lábios de Aziul nunca ele Bashô ouviria. Teria chorado se não fosse um homem de um tempo em que os homens não choravam. Matavam, comiam e riam. Bebiam também. E isso era assim como no dia de hoje um desses homens facilmente testasse positivo num teste de psicopatia. Naqueles tempos era o ideal de virilidade.

            Os sonhos de Bashô eram preenchidos por haikus e Aziul. Mesmo que só por leveza (própria de um poeta) as flores, as folhas, o ar, o fogo, a terra, tudo nele era observado e registado poeticamente a partir desse grande amor que tinha por Aziul.

            Aziul era extremamente bela, pesar a sua pobreza. Nunca tivera uma educação para ser mulher, e o pó de arroz de Geisha não lhe assentava bem. Tinha uma beleza natural, era simétrica de feições e de membros. Só sabia trabalhar – que fora o seu único ofício, nos campos de arroz. E de arroz não percebia dos pós, só da semeia e da colheita.

            Mesmo assim a condição de Bashô era funesta. Não era tão pobre como o trabalhador dos campos mais pobre ainda, mas era um poeta, e esta sua condição não lhe assegurava um concubinato mas sim uma vida de palavras no papel. Esta era a sua função numa sociedade em que as pessoas ainda tinham funções. E terão as funções de facto desaparecido?

            Curioso era o laço que unia Bashô a Aziul, mas como se percebe Aziul nunca viu esse laço. Era mais fácil assim para Bashô também e as únicas palavras que eles trocaram toda a sua vida foram saudações.

            Duro amor.

            Os próprios poemas não podiam enaltecer os sapatinhos de Aziul, ou as suas bochechas ou lábios, porque tornaria ridículo o vínculo ilusório e delirante que o unia a ela.

            Na verdade um vínculo é uma formalidade deste conto, uma forma de dar um nome ao que Bashô sentia pela simplicidade humana de Aziul.

            Habituado às complicadas maneiras aristocráticas Bashô preferiu banhos de sol ou de chuva. Caminhou para percorrer caminhos vazios, sem destino mesmo.

            A natureza da religiosidade nipónica é a da tradição do budismo Zen. Primeiro era esse o passo. O poeta não difere dos sentimentos religiosos da época. Neste caso digamos que Bashô era, como outros poetas, um poeta itinerante. Abriam-se caminhos para ele caminhar com os pés e outros com as palavras.

            Não havia caminho nenhum para Bashô amar Aziul. Desse modo viveu, até ao fim dos seus dias. Bashô era poeta, e os poetas vivem assim.

 

Bibliografia

 

            BASHÔ, Matsuo, O Eremita Viajante [haikus – obra completa], Portugal, Assírio & Alvim, 2016

            BASHÔ, Matsuo, The Narrow Road to the Deep North, UK (United Kingdom), Penguin Classics (Random House UK), 2020 edition based on 1966 translation by Nobuyuki Yuasa

            HENSHALL, Kenneth, História do Japão (translation from A History of Japan: From Stone Age to Superpower), Lisboa, Edições 70, 2011


 Nelson Manuel Alves e Silva



[1] BASHÔ, Matsuo, O Eremita Viajante [haikus – obra completa], Portugal, Assírio & Alvim, 2016, haiku 472, Pág. 170

quarta-feira, 21 de abril de 2021

(Mais) Exercícios 26 e 27

 Filipe Heath

26. Título: Um ser cansado

Destaque: A única coisa que posso fazer é deitar-me na escuridão, protegido da luz e do barulho e do frio…

Género: Crónica

 27. Título: Fa La La La La…Capitalismo

Destaque: se me pregam outra partida como esta vão ver como é que eu sou por dentro porque lá por dentro sou má como as cobras (…)

Tretas tretas tretas. A mim é que não me levam mais, era o que faltava. Ou um ou outro, é um aldrabão. Disseram-me que o pai natal descia pela chaminé e eu acendi o fogão para lhe queimar o rabo para ele dar um grito para eu o ver e nicles. Quem ficou com o rabo a arder fui eu que levei bumba no toutiço por ter gasto gás. É só para ver como as coisas são. Disseram-me que ele trazia presentes do céu e o que ele me trouxe foi uma camisola que eu vi numa montra duma loja em saldo, com o preço e tudo. Isto quer dizer que: o Céu fica na Rua dos Fanqueiros ou que me aldrabaram por eu ser criança. É o que eu digo: mentem à gente mal a gente nasce e depois queixam-se de que a gente em grande queira ir para a política. Outra coisa que o pai natal me deu foi um compêndio de Ciências Naturais aprovado para o primeiro ano. Ora abóbora que se eu fosse má até ficava a pensar que o pai natal é o meu pai, o que vale é que eu sou boa até ver. Sim, até ver que se me pregam outra partida como esta vão ver como é que eu sou por dentro, porque lá por dentro sou má como as cobras. Se julgam que eu saio à minha Mãe enganam-se. Lá no fundo eu saio ao meu pai mas não quero que se saiba para salvar o toutiço, que se ele adivinha isso é bumba no toutiço até mais não. Outra malandrice que me fizeram foi darem-me um cavalinho de madeira que o meu avô comprou para levar à maternidade quando eu nasci a pensar que eu era menino mas o diabo do velho quando viu a enfermeira mudar-me a fralda meteu o cavalinho no bolso e foi a correr comprar uma roca de prata porque nesse tempo o plástico ainda era caro e levou o cavalinho para casa para quando viesse um menino e como nunca veio, porque em Paris deixaram-se de fazer coisas dessas e agora fazem outras, o tal cavalinho foi escondido numa mala muito velha.

Exercícios 26 e 27

Raquel Paixão


Exercício 26: Encontre título e destaque para o texto abaixo. (Indique também o género, embora seja quase insultuoso eu fazer esta pergunta.)

Título:  Sem Cura

Destaque:  Mas a cabeça também não ajuda. Por que é que o ser humano é incapaz de ter uma doença ou uma dor sem arranjar uma maneira de conseguir sentir-se culpado por ela?

Género: Crónica

 

Exercício 27. Dê um título, faça um destaque e insira a pontuação (parágrafos inclusive, se achar convenientes) no texto abaixo:

Título: Só Tretas!

Destaque: É o que eu digo, mentem à gente mal a gente nasce e depois queixam-se de que a gente em grande queira ir para a política!

Pontuação:

Tretas, tretas, tretas… A mim é que não me levam mais, era o que faltava! Ou um ou outro é um aldrabão. Disseram-me que o Pai Natal descia pela chaminé e eu acendi o fogão para lhe queimar o rabo, para ele dar um grito para eu o ver, e nicles… Quem ficou com o rabo a arder fui eu, que levei bumba no toutiço por ter gasto gás! É só para ver como as coisas são, disseram-me que ele trazia presentes do Céu e o que ele me trouxe foi uma camisola que eu vi numa montra duma loja em saldo, com o preço e tudo. Isto quer dizer que o Céu fica na Rua dos Fanqueiros ou que me aldrabaram por eu ser criança. É o que eu digo, mentem à gente mal a gente nasce e depois queixam-se de que a gente em grande queira ir para a política! Outra coisa que o Pai Natal me deu foi um compêndio de Ciências Naturais aprovado para o primeiro ano. Ora abóbora, que se eu fosse má até ficava a pensar que o Pai Natal é o meu pai! O que vale é que eu sou boa, até ver… sim até ver, que se me pregam outra partida como esta vão ver como é que eu sou por dentro, porque lá por dentro sou má como as cobras. Se julgam que eu saio à minha Mãe, enganam-se. Lá no fundo, eu saio ao meu pai, mas não quero que se saiba para salvar o toutiço, que se ele adivinha isso é bumba no toutiço até mais não! Outra malandrice que me fizeram foi darem-me um cavalinho de madeira que o meu avô comprou para levar à maternidade quando eu nasci, a pensar que eu era menino. Mas o diabo do velho quando viu a enfermeira mudar-me a fralda, meteu o cavalinho no bolso e foi a correr comprar uma roca de prata (porque nesse tempo o plástico ainda era caro) e levou o cavalinho para casa para quando viesse um menino. E como nunca veio porque em Paris deixaram-se de fazer coisas dessas e agora fazem outras, o tal cavalinho foi escondido numa mala muito velha onde eu o encontrei há mais de cinco anos. Estou farta de brincar com ele sem ninguém saber e vai este ano, bumba, apareceu-me no sapato como se fosse um presente do Pai Natal… assim não vale, abóbora! Que ou a gente é séria ou não é, isto até faz com que se perca o respeito pela família terrestre e pela família celeste. Que o meu pai queira enganar o Pai Natal vendendo-lhe cavalinhos velhos e Compêndios de Liceu, ainda eu entendo. Agora, que ele os compre se calhar pelo dobro do preço é que não entendo nem à bala. São estas coisas que fazem a gente perder a fé, e depois espantam-se! Outra porcaria que me fez o Pai Natal foi dizer ao meu pai que este ano os presentes eram fracotes por causa da crise que há no Céu. Mas então se aquilo é igual à Terra, para que é que lhe chamam Céu? Anda a gente a privar-se de coisas para ir para o Céu e chega lá e, bumba, aquilo é como a Graça ou como o Areeiro! Eu é que não vou nisso e se as coisas não mudam, para o ano faço de conta que não sei da crise e mando uma reclamação para o deputado que me representa na Assembleia e o Pai Natal vai ver como é que as moscas picam. Para aprender a ser profissional a valer, que isto dum Pai Natal amador não interessa a ninguém e muito menos a esta vossa Guidinha, que não está cá por ver andar os outros.

terça-feira, 20 de abril de 2021

Exercícios 26 e 27

 Tagiane Mai



26:

Título:
Autoagressão cintilante

Destaque: Temos o talento para transformar qualquer dor em castigo por um prazer qualquer.

Gênero: Crônica


27:

Título: Tretas natalinas

Destaque: Coisas do Pai Natal que fazem Guidinha perder a fé.

Tretas, tretas, tretas. //A mim é que não me levam mais – era o que faltava. Ou um ou outro é um aldrabão. //Disseram-me que o pai natal descia pela chaminé, e eu acendi o fogão para lhe queimar o rabo, para ele dar um grito, para eu o ver, e nicles. Quem ficou com o rabo a arder fui eu, que levei bumba no toutiço por ter gasto gás. É só para ver como as coisas são... //Disseram-me que ele trazia presentes do céu, e o que ele me trouxe foi uma camisola que eu vi numa montra duma loja em saldo com o preço, e tudo isto quer dizer que o Céu fica na Rua dos Fanqueiros ou que me aldrabaram por eu ser criança. É o que eu digo: mentem à gente mal a gente nasce e depois queixam-se de que a gente em grande queira ir para a política! //Outra coisa que o pai natal me deu foi um compêndio de Ciências Naturais aprovado para o primeiro ano. Ora abóbora, que se eu fosse má até ficava a pensar que o pai natal é o meu pai. O que vale é que eu sou boa, até ver, sim, até ver, que se me pregam outra partida como esta vão ver como é que eu sou por dentro, porque lá por dentro sou má como as cobras. Se julgam que eu saio à minha Mãe, enganam-se; lá no fundo, eu saio ao meu pai, mas não quero que se saiba para salvar o toutiço, que, se ele adivinha isso, é bumba no toutiço até mais não. //Outra malandrice que me fizeram foi darem-me um cavalinho de madeira que o meu avô comprou para levar à maternidade quando eu nasci (a pensar que eu era menino), mas o diabo do velho, quando viu a enfermeira mudar-me a fralda, meteu o cavalinho no bolso e foi a correr comprar uma roca de prata, porque nesse tempo o plástico ainda era caro, e levou o cavalinho para casa, para quando viesse um menino, e como nunca veio, porque em Paris deixaram-se de fazer coisas dessas e agora fazem outras, o tal cavalinho foi escondido numa mala muito velha onde eu o encontrei há mais de cinco anos. Estou farta de brincar com ele sem ninguém saber, e vai este ano... Bumba! Apareceu-me no sapato como se fosse um presente do pai natal. Assim não vale, abóbora, que ou a gente é séria ou não é. Isto até faz com que se perca o respeito pela família terrestre e pela família celeste. Que o meu pai queira enganar o pai natal vendendo-lhe cavalinhos velhos e Compêndios de Liceu ainda eu entendo. Agora, que ele os compre – se calhar pelo dobro do preço! – é que não entendo nem à bala. São estas coisas que fazem a gente perder a fé, e depois espantam-se... //Outra porcaria que me fez o pai natal foi dizer ao meu pai que este ano os presentes eram fracotes por causa da crise que há no Céu. Mas então se aquilo é igual à Terra, para que é que lhe chamam Céu? Anda a gente a privar-se de coisas para ir para o Céu e chega lá e bumba, aquilo é como a Graça ou como o Areeiro. Eu é que não vou nisso e, se as coisas não mudam para o ano, faço de conta que não sei da crise e mando uma reclamação para o deputado que me representa na assembleia, e o pai natal vai ver como é que as moscas picam, para aprender a ser profissional a valer, que isto dum pai natal amador não interessa a ninguém, e muito menos a esta vossa Guidinha que não está cá por ver andar os outros.

*Tive particular dificuldade nesse exercício, talvez pelas expressões do português lusitano que me são desconhecidas.

Exercícios 26 e 27

 Daniel Regis



Título: Dádiva e maldição


Destaque: A única coisa que posso fazer é deitar-me na escuridão, protegido da luz e do barulho e do frio…


Gênero: Crônica


Escrevo estas palavras letra a letra na escuridão. E porquê? Porque a luz do sol dá-me enxaquecas. Sempre deu.


Ando eu não sei quantos meses à espera dessa luz que só começa na Primavera e, quando chega, como chegou este fim-de-semana, fico tão deslumbrado que me deito a perder.


Se calhar, abro de mais os olhos e deixo-me atingir pelo cortante dos raios que me furam a vista – a maldita “aura” que anuncia cada enxaqueca – e, passado um bocadinho, arrancam do meu olho direito uma dor debilitante que é como se estivesse a ser apertado num torno.


A única coisa que posso fazer é deitar-me na escuridão, protegido da luz e do barulho e do frio, esperando que o sono e os vómitos tenham pena de mim.


É assim desde os meus 11, 12 anos. Passou da minha mãe para mim e de mim para a minha filha Sara. Não há nada a fazer.


Mas a cabeça também não ajuda. Por que é que o ser humano é incapaz de ter uma doença ou uma dor sem arranjar uma maneira de conseguir sentir-se culpado por ela?


Somos ajudados pelo nosso pendor para o melodrama. Eu aqui, por exemplo, vejo-me aflito para não fazer como o frei Hermano e não me entregar todo à ideia que as dores que me causam a luz do sol são causadas pelo desejo que sinto por ela.


Sou ferido pelo que mais me atrai. É o brilho que me faz abrir os olhos que os expõe à queimadura fatal da luz.


Raios partam o talento que temos para transformar qualquer dor em castigo por um prazer qualquer que conseguimos roubar ao mundo.


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Título: O pai natal precisa melhorar, mas ninguém se importa


Destaque: Isto quer dizer que o Céu fica na Rua dos Fanqueiros ou que me aldrabaram por eu ser criança.



Tretas, tretas, tretas… a mim é que não me levam mais. Era o que faltava; ou um ou outro. É um aldrabão. Disseram-me que o pai natal descia pela chaminé e eu acendi o fogão para lhe queimar o rabo, para ele dar um grito para eu o ver, e nicles. Quem ficou com o rabo a arder fui eu, que levei bumba no toutiço por ter gasto gás. É só para ver como as coisas são. // Disseram-me que ele trazia presentes do céu e o que ele me trouxe foi uma camisola que eu vi numa montra duma loja em saldo com o preço e tudo. Isto quer dizer que o Céu fica na Rua dos Fanqueiros ou que me aldrabaram por eu ser criança, é o que eu digo. Mentem à gente mal a gente nasce e depois queixam-se de que a gente, em grande, queira ir para a política. // Outra coisa que o pai natal me deu foi um compêndio de Ciências Naturais aprovado para o primeiro ano. Ora, abóbora, que se eu fosse má até ficava a pensar que o pai natal é o meu pai. O que vale é que eu sou boa até ver. Sim, até ver que se me pregam outra partida como esta vão ver como é que eu sou por dentro, porque lá por dentro sou má como as cobras. Se julgam que eu saio à minha Mãe, enganam-se. Lá no fundo, eu saio ao meu pai, mas não quero que se saiba. Para salvar o toutiço que, se ele adivinha, isso é bumba no toutiço até mais não… // Outra malandrice que me fizeram foi darem-me um cavalinho de madeira que o meu avô comprou para levar à maternidade quando eu nasci (a pensar que eu era menino), mas o diabo do velho, quando viu a enfermeira mudar-me a fralda, meteu o cavalinho no bolso e foi a correr comprar uma roca de prata, porque nesse tempo o plástico ainda era caro, e levou o cavalinho para casa para quando viesse um menino e, como nunca veio… Porque em Paris deixaram-se de fazer coisas dessas e agora fazem outras. O tal cavalinho foi escondido numa mala muito velha — onde eu o encontrei há mais de cinco anos. Estou farta de brincar com ele sem ninguém saber. // E vai, este ano, bumba apareceu-me no sapato como se fosse um presente do pai natal. Assim não vale, abóbora. Que ou a gente é séria ou não é. Isto até faz com que se perca o respeito pela família terrestre e pela família celeste. Que o meu pai queira enganar o pai natal vendendo-lhe cavalinhos velhos e Compêndios de Liceu ainda, eu entendo, agora, que ele os compre, se calhar, pelo dobro do preço, é que não entendo. Nem à bala são estas coisas que fazem a gente perder a fé e depois espantam-se… // Outra porcaria que me fez o pai natal foi dizer ao meu pai que este ano os presentes eram fracotes por causa da crise que há no Céu, mas então, se aquilo é igual à Terra, para que é que lhe chamam Céu. Anda a gente a privar-se de coisas para ir para o Céu e chega lá e… bumba! Aquilo é como a Graça ou como o Areeiro; eu é que não vou nisso. E se as coisas não mudam para o ano, faço de conta que não sei da crise e mando uma reclamação para o deputado que me representa na assembleia e o pai natal vai ver como é que as moscas picam, para aprender a ser profissional. A valer que isto dum pai natal amador não interessa a ninguém e muito menos a esta vossa Guidinha, que não está cá por ver andar os outros.

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Exercícios 26 e 27 (ft. Esteves Cardoso e Sttau Monteiro)

Ana Filipa Leite 


Exercício 26: Encontre título e destaque para o texto abaixo. (Indique também o género, embora seja quase insultuoso eu fazer esta pergunta.)

Título: O sol quer-me mal

Destaque: Sou ferido pelo que mais me atrai. Fico tão deslumbrado que me deito a perder.

(Género: Crónica)


Exercício 27. Insira pontuação (parágrafos também, se considerar importantes, use //) , título e destaque no seguinte texto:

Título: O Natal é só malandrices

Destaque: Isto até faz com que se perca o respeito pela família terrestre e pela família celeste.

Tretas, tretas, tretas. A mim é que não me levam mais, era o que faltava. Ou um ou outro é um aldrabão. // Disseram-me que o Pai Natal descia pela chaminé e eu acendi o fogão para lhe queimar o rabo, para ele dar um grito, para eu o ver. E nicles. Quem ficou com o rabo a arder fui eu, que levei bumba no toutiço por ter gasto gás! // É só para ver como as coisas são: disseram-me que ele trazia presentes do Céu e o que ele me trouxe foi uma camisola que eu vi numa montra duma loja em saldo, com o preço e tudo. Isto quer dizer que o Céu fica na Rua dos Fanqueiros ou que me aldrabaram por eu ser criança. É o que eu digo, mentem à gente mal a gente nasce e depois queixam-se de que a gente em grande queira ir para a política. // Outra coisa que o Pai Natal me deu foi um compêndio de Ciências Naturais aprovado para o primeiro ano. Ora, abóbora, que se eu fosse má até ficava a pensar que o Pai Natal é o meu pai! O que vale é que eu sou boa até ver. Sim, até ver, que se me pregam outra partida como esta vão ver como é que eu sou por dentro, porque lá por dentro sou má como as cobras. Se julgam que eu saio à minha Mãe, enganam-se. Lá no fundo, eu saio ao meu pai, mas não quero que se saiba, para salvar o toutiço. Que se ele adivinha, isso é bumba no toutiço até mais não! // Outra malandrice que me fizeram foi darem-me um cavalinho de madeira que o meu avô comprou para levar à maternidade quando eu nasci, a pensar que eu era menino. Mas o diabo do velho, quando viu a enfermeira mudar-me a fralda, meteu o cavalinho no bolso e foi a correr comprar uma roca de prata (porque nesse tempo o plástico ainda era caro) e levou o cavalinho para casa para quando viesse um menino. E como nunca veio, porque em Paris deixaram-se de fazer coisas dessas e agora fazem outras, o tal cavalinho foi escondido numa mala muito velha, onde eu o encontrei há mais de cinco anos. Estou farta de brincar com ele sem ninguém saber e vai este ano, bumba, apareceu-me no sapato como se fosse um presente do Pai Natal. // Assim não vale, abóbora, que ou a gente é séria ou não é! Isto até faz com que se perca o respeito pela família terrestre e pela família celeste. Que o meu pai queira enganar o Pai Natal vendendo-lhe cavalinhos velhos e Compêndios de Liceu, ainda eu entendo. Agora, que ele os compre se calhar pelo dobro do preço é que não entendo nem à bala. São estas coisas que fazem a gente perder a fé, e depois espantam-se! // Outra porcaria que me fez o Pai Natal foi dizer ao meu pai que este ano os presentes eram fracotes por causa da crise que há no Céu. Mas então se aquilo é igual à Terra, para que é que lhe chamam Céu? Anda a gente a privar-se de coisas para ir para o Céu e chega lá e, bumba, aquilo é como a Graça ou como o Areeiro! Eu é que não vou nisso e, se as coisas não mudam, para o ano faço de conta que não sei da crise e mando uma reclamação para o deputado que me representa na Assembleia e o Pai Natal vai ver como é que as moscas picam. Para aprender a ser profissional a valer, que isto dum Pai Natal amador não interessa a ninguém, e muito menos a esta vossa Guidinha, que não está cá por ver andar os outros.

Aula presencial e masterclass - S1

 A próxima aula (e, com sorte, as seguintes) será na S1, no piso -1 da Torre A, descendo as escadas. 

Na aula de dia 28 teremos como convidado o editor João Concha, das não edições. Poderia aqui pôr o seu CV, mas tirar-vos-ia o prazer de o pesquisarem.. 



Exercícios 26 & 27 - Propostas de resolução

 Joana Camões Pereira


 26. Encontre título e destaque para o texto abaixo. (Indique também o género, embora seja quase insultuoso eu fazer esta pergunta.)

Título: Sol de Primavera

Destaque: É o brilho que me faz abrir os olhos que os expõe à queimadura fatal da luz.

(Género: Crónica)

 

Escrevo estas palavras letra a letra na escuridão. E porquê? Porque a luz do sol dá-me enxaquecas. Sempre deu.

Ando eu não sei quantos meses à espera dessa luz que só começa na Primavera e, quando chega, como chegou este fim-de-semana, fico tão deslumbrado que me deito a perder.

Se calhar, abro de mais os olhos e deixo-me atingir pelo cortante dos raios que me furam a vista – a maldita “aura” que anuncia cada enxaqueca – e, passado um bocadinho, arrancam do meu olho direito uma dor debilitante que é como se estivesse a ser apertado num torno.

A única coisa que posso fazer é deitar-me na escuridão, protegido da luz e do barulho e do frio, esperando que o sono e os vómitos tenham pena de mim.

É assim desde os meus 11, 12 anos. Passou da minha mãe para mim e de mim para a minha filha Sara. Não há nada a fazer.

Mas a cabeça também não ajuda. Por que é que o ser humano é incapaz de ter uma doença ou uma dor sem arranjar uma maneira de conseguir sentir-se culpado por ela?

Somos ajudados pelo nosso pendor para o melodrama. Eu aqui, por exemplo, vejo-me aflito para não fazer como o frei Hermano e não me entregar todo à ideia que as dores que me causam a luz do sol são causadas pelo desejo que sinto por ela.

Sou ferido pelo que mais me atrai. É o brilho que me faz abrir os olhos que os expõe à queimadura fatal da luz.

Raios partam o talento que temos para transformar qualquer dor em castigo por um prazer qualquer que conseguimos roubar ao mundo.



27. Insira pontuação (parágrafos também, se considerar importantes, use //) , título e destaque no seguinte texto: 

 

Título: Aldrabices de Natal

Destaque: Ora, abóbora, que, se eu fosse má, até ficava a pensar que o pai natal é o meu pai.

 

Tretas, tretas, tretas. A mim é que não me levam, mais era o que faltava! Ou um ou outro é um aldrabão. Disseram-me que o pai natal descia pela chaminé e eu acendi o fogão para lhe queimar o rabo, para ele dar um grito, para eu o ver. E nicles. Quem ficou com o rabo a arder fui eu, que levei bumba no toutiço por ter gasto gás. É só para ver como as coisas são. Disseram-me que ele trazia presentes do céu e o que ele me trouxe foi uma camisola que eu vi numa montra duma loja em saldo, com o preço e tudo isto! Quer dizer que o Céu fica na Rua dos Fanqueiros?, ou que me aldrabaram por eu ser criança? É o que eu digo — mentem à gente mal a gente nasce e depois queixam-se de que a gente em grande queira ir para a política. // Outra coisa que o pai natal me deu foi um compêndio de Ciências Naturais aprovado para o primeiro ano. Ora, abóbora, que, se eu fosse má, até ficava a pensar que o pai natal é o meu pai. O que vale é que eu sou boa até ver, sim, até ver, que se me pregam outra partida como esta, vão ver como é que eu sou por dentro, porque lá por dentro sou má como as cobras. Se julgam que eu saio à minha Mãe, enganam-se! Lá no fundo, eu saio ao meu pai, mas não quero que se saiba para salvar o toutiço, que se ele adivinha isso, é bumba no toutiço até mais não. // Outra malandrice que me fizeram foi darem-me um cavalinho de madeira que o meu avô comprou para levar à maternidade quando eu nasci a pensar que eu era menino, mas o diabo do velho, quando viu a enfermeira mudar-me a fralda, meteu o cavalinho no bolso e foi a correr comprar uma roca de prata, porque nesse tempo o plástico ainda era caro, e levou o cavalinho para casa para quando viesse um menino, e como nunca veio, porque em Paris deixaram-se de fazer coisas dessas e agora fazem outras, o tal cavalinho foi escondido numa mala muito velha onde eu o encontrei há mais de cinco anos. Estou farta de brincar com ele sem ninguém saber e vai este ano, bumba, apareceu-me no sapato como se fosse um presente do pai natal. Assim não vale, abóbora, que ou a gente é séria ou não é. Isto até faz com que se perca o respeito pela família terrestre e pela família celeste. Que o meu pai queira enganar o pai natal vendendo-lhe cavalinhos velhos e Compêndios de Liceu, ainda eu entendo, agora que ele os compre se calhar pelo dobro do preço é que não entendo nem à bala. São estas coisas que fazem a gente perder a fé e depois espantam-se! // Outra porcaria que me fez o pai natal foi dizer ao meu pai que este ano os presentes eram fracotes por causa da crise que há no Céu, mas então se aquilo é igual à Terra, para que é que lhe chamam Céu? Anda a gente a privar-se de coisas para ir para o Céu e chega lá e, bumba, aquilo é como a Graça ou como o Areeiro. Eu é que não vou nisso e se as coisas não mudam para o ano faço de conta que não sei da crise e mando uma reclamação para o deputado que me representa na assembleia e o pai natal vai ver como é que as moscas picam, para aprender a ser profissional a valer. Que isto dum pai natal amador não interessa a ninguém e muito menos a esta vossa Guidinha, que não está cá por ver andar os outros.

 

27. Insira pontuação (parágrafos também, se considerar importantes, use //) , título e destaque no seguinte texto: 

Título: Disseram-me que devo queimar o rabo do pai natal

 Destaque: Disseram-me que o pai natal descia pela chaminé e eu acendi o fogão para lhe queimar o rabo.

Tretas tretas tretas a mim é que não me levam mais, era o que faltava. Ou um ou outro é um aldrabão. Disseram-me que o pai natal descia pela chaminé e eu acendi o fogão para lhe queimar o rabo. Para ele dar um grito para eu o ver e nicles. Quem ficou com o rabo a arder fui eu que levei bumba no toutiço por ter gasto gás. É só para ver como as coisas são disseram-me que ele trazia presentes do céu e o que ele me trouxe foi uma camisola que eu vi numa montra duma loja em saldo com o preço e tudo isto quer dizer que o Céu fica na Rua dos Fanqueiros ou que me aldrabaram por eu ser criança. É o que eu digo: mentem à gente mal a gente nasce e depois queixam-se de que a gente em grande queira ir para a política. Outra coisa que o pai natal me deu foi um compêndio de Ciências Naturais aprovado para o primeiro ano. Ora abóbora que se eu fosse má até ficava a pensar que o pai natal é o meu pai. O que vale é que eu sou boa até ver sim até ver que se me pregam outra partida como esta vão ver como é que eu sou por dentro. Porque lá por dentro sou má como as cobras se julgam que eu saio à minha Mãe. Enganam-se lá no fundo eu saio ao meu pai mas não quero que se saiba para salvar o toutiço que se ele adivinha isso é bumba no toutiço até mais não. Outra malandrice que me fizeram foi darem-me um cavalinho de madeira que o meu avô comprou para levar à maternidade quando eu nasci a pensar que eu era menino, mas o diabo do velho quando viu a enfermeira mudar-me a fralda meteu o cavalinho no bolso e foi a correr comprar uma roca de prata porque nesse tempo o plástico ainda era caro e levou o cavalinho para casa para quando viesse um menino e como nunca veio porque em Paris deixaram-se de fazer coisas dessas, e agora fazem outras, o tal cavalinho foi escondido numa mala muito velha onde eu o encontrei há mais de cinco anos. Estou farta de brincar com ele sem ninguém saber e vai este ano bumba apareceu-me no sapato como se fosse um presente do pai natal. Assim não vale abóbora que ou a gente é séria ou não é. Isto até faz com que se perca o respeito pela família terrestre e pela família celeste, que o meu pai queira enganar o pai natal vendendo-lhe cavalinhos velhos e Compêndios de Liceu ainda eu entendo, agora que ele os compre se calhar pelo dobro do preço é que não entendo. Nem à bala. São estas coisas que fazem a gente perder a fé e depois espantam-se. Outra porcaria que me fez o pai natal foi dizer ao meu pai que este ano os presentes eram fracotes por causa da crise que há no Céu mas então se aquilo é igual à Terra para que é que lhe chamam Céu anda a gente a privar-se de coisas para ir para o Céu e chega lá e bumba aquilo é como a Graça ou como o Areeiro. Eu é que não vou nisso e se as coisas não mudam para o ano faço de conta que não sei da crise e mando uma reclamação para o deputado que me representa na assembleia e o pai natal vai ver como é que as moscas picam para aprender a ser profissional a valer, que isto dum pai natal amador não interessa a ninguém e muito menos a esta vossa Guidinha que não está cá por ver andar os outros.


Nelson Manuel Alves e Silva

 

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