1. Tudo começou com um equívoco
Ou um erro. Alguém marcou para a nossa sala um teste. Quem cometeu o erro? Os serviços, provavelmente. Mas os serviços têm as costas largas. A verdade é que (disse-o há quatro aulas, salvo erro) não importa quem comete o erro. Disse mais: numa empresa saudável todos erram, mas todos merecem confiança porque a maior parte do tempo são competentes. Numa empresa saudável ninguém tem medo de errar.
E, implícito, ninguém tem receio de assumir a responsabilidade pelo erro.
Infantilidade: exigir muito dos outros, achar que nós temos sempre desculpa. Eu sei que sou um bocadito assim - na verdade, somos todos um bocadito assim. Não tem mal. Só tem al quando nós somos muito assim: quando nos habituamos a fugir à responsabilidade e somos ágeis a culpar os outros.
A coisa foi resolvida. A sala era nossa, o erro era alheio, mas um teste trumps that. Um teste é um teste. Por outro lado, o mestrado tem poucas aulas, ou seja, cada uma é preciosa (em teoria).
E, em teoria, é bom sermos flexíveis. Eu podia ter sido mais flexível. A outra parte também podia ter dito logo que a sala era anormalmente ampla, 43 lugares - ou seja, nós cabíamos. E eu também podia ter feito logo a pergunta: quantos lugares tem a vossa sala original?
Em nossa defesa (dos professores): estávamos com a cabeça noutro lado. E, quando uma pessoa está tensa ou preocupada, pensa pior. Muitas vezes, a solução é simples, só que não a vemos. Outras vezes, criamos soluções que são piores que os problemas - e viram os verdadeiros problemas.
Em how Real is Real? (1976) Watzlawick dá um exemplo muito engraçado de quando a solução vira o problema: os EUA tinham um problema de alcoolismo. Criaram a probição. Resultado: além do alcoolismo, que não foi eliminado, passaram a ter um problema de banditismo, de saúde pública (o álcool clandestino era de pior qualidade)
Mas eu - e digo eu porque há aqui um eu - poderia ter sido mais flexível. Geralmente sou-o. Mas houve alguns incidentes antes que me estreitaram o foco: a fechadura do meu gabinete mudou, estava focado na aula, etc.
Moral: nós nem sempre estamos em forma. Não tem mal. Mas convém estarmos atentos a isso.
Quando nos perguntam se conseguimos traduzir 400 páginas em dois meses é isso que fazemos: ponderamos as condições e assuminos ou não a responsabilidade.
Sermos fluidos, disponíveis, abertos é o ideal.
A aula ia numa direcção, acabou por ir noutra. Na volta, a mudança de sala até melhorou. Mas esqueci que tinha levado no bolso uns livros miniatura para nos mostrar a variedade desta forma incrível de transportar ideias, emoções, desenhos.
2. Booktrailers
2.1. Uma boa regra do marketing
Vale a pena usar as redes sociais? «Tudo vale a pena/se a alma não é pequena», para citar Pessoa. As redes sociais permitem hoje fazer comunicação e marketing de forma rápida, barata, acessível. Não admira que tenham sido as pequenas editoras a, pelo menos em Portugal, chegarem primeiro à Internet. Era uma forma de contornar os preços das publicidades convencionais, cartazes, rádios, TV.
2.2. já na aula, o meu momento Vence
Esta semana um comentador na Sic manifestou a sua admiração pela lucidez de Eduardo Lourenço intuir que iria expirar em 2020: "Assinava os artigos com Vence em 2020!» Na verdade, Vence é a terra no sul de França onde morou quase meio século, com a esposa.
Pois bem, a minha segunda prova de falta de golpe de rins - o golpe de rins, a capacidade quase taoista de sermos fluídos, flexíveis, disponíveis. E depois a minha tentativa tragicómica de explicar o booktrailer de Valter Hugo Mãe... Meu Deus, só espero que não estivesse ninguém a ver. Ainda bem que não era dele. My bad. Mas era um booktrailer: uma bonita homenagem de uma turma do 8º ano.
Moral: não vale a pena chover no molhado. Metemos água? Acontece. Fomos ridículos? Também acontece.
Ainda Pessoa, agora na pessoa de Álvaro de Campos: «Todas as cartas de amor são ridículas»... Mas mais ridículo é quem não as escreve. Ou, como dizia a minha mãe: «Quem não faz nada não parte nada». O que nos entala é ficarmos paralisados quando uma coisa corre mal. Memória da aula 2: numa empresa saudável, aceitamos as responsabilidades, não passamos culpas. Passar culpas é infantil, reconhecer responsabilidades é adulto. Infelizmente, muitos adultos portam-se como crianças. (Aqui, no parlamento, um deputado rival com gosto pela demagogia clamaria angustiado: «O que tem o senhor contra as crianças?!»)
2.3. Conhecem o ditado «O importante é que falem do meu trabalho, nem que seja para dizer mal»? Pois Salvador Dali melhorou-o: «O importante é que falem do meu trabalho, nem que seja para dizer bem».
2.4. O booktrailer de Gonçalo M. Tavares: fiel q.b. ao livro e ao autor. E bem feito. Definindo o público-alvo, respeitando a poética do autor. O booktrailer de Mr. Mercedes: um filme super-profissional, caro, só com leitura de um trecho contra uma ilustração visual e sonora do ambiente do livro. Mas se lermos um texto ao telemóvel e o postarmos no Youtube, Instagram, Facebook etc., também é um booktrailer. Pode ser feito em dois minutos e ter zero investimento, pode levar semanas e implicar uma produção dispendiosa.
Moral: se pudermos, gastamos dinheiro. Mas hoje é possível publicitar gastando pouco.
3. Follow up
É dar seguimento mas é um pouco mais: é assegurar que a comunicação continua estabelecida. Quando o império espanho, esta va entrando em decadência, foi inventada a fórmula que explica muita coisa: «Se obedece, pero no se cumple.»
Há técnicas várias para insistir sem parecermos insistentes. Como em tudo, temos de encontrar a fórmula que melhor se adequa a quem somos.
E há, até quando criticamos alguém, a famosa sandes de ***. «Saiba que tenho imenso respeito por si e sempre o eachei supercompetente. Mas aqui fez uma burrice de todo o tamanho! E digo-o, porque tenho estima por si.» Etc.
4. Os casos Byblos e Babel.
História do banqueiro que virou dirigente da APEL e ia publicar «toda a Senhora Dona Agustina».
História do excelente editor/dono (Areal/Asa) que decidiu ir para um terreno que não conhecia.
Moral: ter lido Sun Tzu ajudaria. Conhece o terreno e tens meia batalha ganha.conhece-te a ti próprio e é impossível perderes.
5. Anedota do coelho na cartola
Três foram à entrevista, mas quem ficou com o lugar foi um quarto, que não foi à entrevista. Ainda tende, infelizmente, a ser assim. O que posso dizer? Campo com tendência para a endogamia, o da cultura... Reconhecê-lo ajuda-nos alidar melhor com isso.
6. Percepção
John Keegan escreveu uma dúzia de livros sobre a guerra. A noção de que a guerra começa logo na decisão de quando e como começa e fecha é prima da fórmula de Max Weber: «O Estado reclama-se o monopólio da autoridade legítima». Lembra também outra asserção: «A História é escrita pelos vencedores». No caso da guerra do Iraque de 2003 (com Saddam a fazer boneco vudu de Bin Laden), aconteceu um conflito entre duas perspetivas: e o conflito continuou até na definição de quando começava e quando acabava - bem como em que terreno e com que armas e regras se cumpria... Aqui o trecho de um livro de 2004:
7. O contrato
7.1. do desenhador
O mundo do livro era, em teoria, um mundo àparte da velocidade e superficialidade de outros mercados em torno da 'cultura'. Não mais.
Mathew McConaughey publica um livro. Um crítico chama-lhe um «homem da Renascença».
Os editores que têm mais pressão em atingir objetivos de faturação cada vez mais buscam esses Renaissance Men & Women.
7.2. Marca quem comarca
A lenda de Alberto João: instaurava processos no tribunal do Funchal e obrigava jornalista e jornal (e muitas vezes o diretor era também réu) a perderem tempo e dinheiro em deslocações de avião. A certa altura, cansava.
Exemplo: se o Manuel Afonso vive em Tóquio e o contrato que ele e o Filipe assinaram implica que, em caso de conflito, a disputa será num tribunal de Tóquio, tem logo vantagem.
Moral: Mas o ideal é evitar ao máximo o conflito. Em Portugal, é moroso e desencorajado.
8. Lições de Scarface
81. O caso dos dois tradutores
O rico e o pobre. Um traduziu do romeno para o russo e vice-versa. Dezenas de obras-primas. Um, da Universidade do Texas, traduziu uma poeta contemporânea, LilianaUrsu - o pobre tradutor para russo ficou com o prémio menor.
O jovem tradutor americano tinha levado a poeta romena para a língua divina. Tal como Richard Zenith «criou» Pessoa, ao traduzi-lo para inglês e o levar ao New York Times Review of Books. Ou agora finalmente nos EUA descobriram que Clarice Lispector «é talvez melhor que Borges» [sic]. Ou Elena Ferrante, cuja glória é distribuída a partir do sucesso em inglês.
8.2. Bibliodiversidade
A ideia do livro é diversidade. Era. Na verdade, talvez tenha sido sempre - como tudo na vida - poder.
E isto contamina, prejudica as culturas locais. Torna-as negocialmente inferiores. Como quando no aeroporto, alugando o carro, por falar a língua mas não tão bem como devia (era estrangeiro>) de turista (superior, chique a valer) fui despromovido a imigrante (inferior, brega). E aí lembrei Sun Tzu: ter um conflito num terreno onde o outro domina é uma asneira.
Isto afeta inclusivamente a produção. Empobrece o uso da língua. Um dia acabará tudo a escrever para facilitar a vida à tradução.
É mau quando os jovens autores escrevem na língua de origem sonhando ser traduzidos. Acabam por escrever, não para os leitores, mas para facilitarem a vida aos tradutores. [rasurei porque repete a ideia do parágrafo anterior, sem acrescentar muito.]
Moral: chegaremos ao dia em que um livro só é livro quando é traduzido para inglês?
O poder americano. Incontornável, com mérito, mas ajuda compreender que não é pela graça e obra do Espírito Santo. É circunstância geopolítica.
9. Episódios à margem
9.1. Da Olá à Caras. Da suposta aristocracia (mal impressa e mal fotografada no suplemento Olá do Semanário) à democratização bem impressa da Caras.
9.2. O caso do jovem escritor que fazia um trabalho sério numa revista de fofoca (pensando erradamente que o divertimento não pode ser útil à sociedade) e se tornou o enésimo artista torturado da praça literária, escrevendo romances que, esses sim, eram redundantes.
9.3. «A tese é como o porco, não se deita nada fora», disse Umberto Eco, em Como fazer uma Tese (1977). Uma aula é igual. Mesmo o acessório pode, em certo momento, virar essencial.
[continua]