quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Trabalhos - ainda não são as notas

 Meus caros, comecei agora - despachada a licenciatura - a ler os vossos trabalhos. Já li um par que me deu um produto infelizmente mais raro do que o desejável: prazer a ler + alguma informação útil. 

Aqui uma lista dos trabalhos que, tanto quanto pude ver, me chegaram. Verifiquem apenas se o vosso nome está na lista - caso contrário comuniquem-me, sff. 


  1. Ana Filipa Leite
  2. Afonso Fragoso de Matos
  3. Beatriz Valadas de Almeida
  4. Carlos Augusto P. Silva
  5. Catarina Lourenço
  6. Daniel Regis
  7. Filipe Heath
  8. Flávia Farhat
  9. Francisco Inácio Lourenço
  10. Francisco Mouta Rúbio
  11. Hugo Martins
  12. Inês Martins
  13. Inês Vegetal
  14. Joana Camões Pereira
  15. Joana Nunes
  16. João Sardo Mourão
  17. Julia Roveri
  18. Karina Borges
  19. Mafalda Franco
  20. Manuel Afonso 
  21. Miguel Baptista
  22. Miguel Francisco
  23. Nádia Correia
  24. Olavo Rodrigues
  25. Raquel Paixão
  26. Rita Serrano
  27. Tagiane Mai
  28. Thiago Oliveira


quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Feliz Natal

 


«Then you take the power...»

É uma resmunguice minha de 2012:  

«Jamie Oliver», «Nigella»? Alguém me explica quando é que os ingleses começaram a ensinar-nos a comer?!

Que sejam o centro do mundo numa data de coisas tudo bem (musicais, livros com mágicos, mau sexo, algemas, humor inglês, molho inglês, crème anglaise, batatas fritas belgas mas com peixe demasiado frito, cerveja morna, cabines telefónicas da cor do pai natal, autocarros de dois andares, música pop, golfe, autopromoção, exportação de chuva, maus livros e jornalismo sarjetário) ainda vá que não vá...

Agora gastronomia?!? 

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Vale tudo, vale tudo, mas... vale mesmo tudo?

Miguel Francisco



Colo aqui com uma lambidela na parte de trás do post, como aquelas que se dão para colar o selo de uma carta, a pergunta que me persegue a cada palavra que se segue: mas vale tudo?

Vale tudo?

Coloco aqui em causa para o meu verbete uma das mais recentes edições do romance distópico de George Orwell 1984 pela editora Clube do Autor, publicado em março deste ano, e que não deve passar despercebida, sendo a Antígona a detentora dos direitos de publicação do livro.  

Não só é de reprovar a atitude, talvez equivalente à cadeia de fast-food Burger King decidir começar a vender os mesmos hambúrgers, com os mesmos ingredientes que a McDonnalds, apenas mudando cautelosamente o revestimento do hambúrger e o marketing do mesmo; como também podemos questionar-nos acerca do empratamento feito pelo Clube do Autor.

Nesta edição do Clube do Autor, a editora fez questão de incluir um prefácio de José Rodrigues dos Santos, figura bem conhecida dos portugueses.

"Ao prefaciar este romance de Orwell, José Rodrigues dos Santos esqueceu-se de que o autor escreve sempre contra um certo mundo, com vista a uma inversão radical da sociedade mercantilista", escreve o editor da Antígona

É realmente de lamentar a comercialização do livro sem qualquer escrutínio por parte do Clube do Autor. Mas será que...

Vale tudo?

Se lermos o livro de Orwell, podemos refletir sobre uma crítica bastante construtiva ao stalinismo e à forma elíptica da ideologia capitalista. Vemos o poder da opulência a ser exercido sobre as massas e ouvimos dizer-lhes que é para o bem delas. Quando, na realidade, sabemos que é para o próprio bem. Fora do livro, vemos declarar-se o matrimónio entre o capitalismo e a manipulação com a presunção do todo como um produto que tem escopo comercial. Quem compra cala e consente. E quem sente, sente a injustiça.  

Não é de espantar, portanto, a providência cautelar imposta pela Antígona e muito menos a consequente retirada da edição do Clube do Autor do mercado, esclarecendo ainda que tudo não tinha passado de um "equívoco". 

Mas como é possível haver equívocos tão bem engendrados?

Vale mesmo tudo?


Referências:

Orwell, George. 1984. Antígona. Lisboa. 2015.

https://www.publico.pt/2020/04/06/culturaipsilon/noticia/-edicao-1984-clube-autor-ja-retirada-livrarias-online-1911200

https://antigona.pt/blogs/noticias/comunicado-do-editor

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

0.2 Da irreverência que ajuda os desafortunados

Ave! Sugiram os bravos verdadeiros! Danem-se os imperadores Romanos e os deuses ao lado dos quais se sentam; danem-se até os mais antigos que os Romanos, Hermes, Matador de Argos e Apolo, que tão bem a lira se veio acomodar! Danem-se ainda aqueles que cantam por inspiração de musas, sejam estas as antigas, de Homero, ou as dos génios de Shelley, Blake, Keats ou Byron, aquilo que a chamavam poesia, que achavam tão bem que educava o Homem! A sua doçura e luz não existe, e este embuste em nada se há de comparar à força dos bravos verdadeiros!
 
Quem são os bravos verdadeiros? Quem salvará a Humanidade com palavras apetrechadas das asas de galinha ou de um pombo que rodeia um apartamento de uma metrópole americana? Quem deixará de saudar orgulhosamente a Lady Liberty para que se digne ao serviço de enaltecer a vida do cidadão comum? Oh, quem, mas quem, trará à Polis o fogo que Prometeu prometeu, antes de esventrado e reinventado num farol à frente de uma câmera?

Ave! Vieram das torres altas  maiores em pedra, betão e estupidez que a casa dos deuses  do novo Império as divindades da irreverência! Já não é suficiente que se danem os antigos ou males da vida  o dizer "Que Se F*da!" (porque Está Tudo F*dido) é a quase nova arte destes novos figurões da mitologia (mas sempre censurado, porque a saúde do seu público leitor, que gosta de se sentir contrário, compromete-se com aquele nojo nas capas)! Mark Manson fez-se profeta deste novo estoicismo, assente nas histórias de bardos mal contadas e uma inteligência cujo caráter perecível não se faz facilmente perceptível! Ave!

Basta!

Esta prosa prudente do palavreado plebeu por pretendentes a profetas proferida porá a perfeição da filosofia a cair a pique de um penhasco... Mas que maravilhadas as massas que massacram a massa cerebral com esta m... Não me afogarei na mesma irreverência que estes nossos novos Cíceros, cujo sucesso é a vontade de danças com dejetos na campa do velho...  Vende-se tranquilidade, mas que a prática desta não passe do folhear de um livro cheio de palavrões! 

A sapiência é corrupta! Degolou-se Atena, mocho morto do chão, de asas cortadas; Odisseu que a chore! Nenhum templo de ossos resiste sucumbir ao capital e ao falso espírito contrariado que o imprime.


segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Um texto interessante dum senhor irritante

 Esta semana, Joseph Epstein (n.1937) foi assunto-twitter pelas piores razões: foi impertinente e snob com a esposa do futuro Presidente. Isso não significa que não diga coisas interessantes. Este ensaio, mesmo que discordemos, ajuda a pensar: 

I am not about to say of poetry, as Marianne Moore once did, that “I, too, dislike it,” for not only has reading poetry brought me instruction and delight but I was taught to exalt it. Or, more precisely, I was taught that poetry was itself an exalted thing. No literary genre was closer to the divine than poetry; in no other craft could a writer soar as he could in a poem. When a novelist or a dramatist wrote with the flame of the highest inspiration, his work was said to be “touched by poetry”—as in the phrase “touched by God.” “The right reader of a good poem,” said Robert Frost, “can tell the moment it strikes him that he has taken an immortal wound—that he will never get over it.” Such quasi-religious language to describe poetry was not unusual; not so long ago, it was fairly common. “The function of poetry,” wrote Robert Graves, “is religious invocation of the Muse; its use is the experience of mixed exaltation and horror that her presence excites.”

Ler o resto aqui


domingo, 13 de dezembro de 2020

Sugestão literária (natalícia também)

Hugo Alexandre Martins


Porque considero a leitura uma necessidade quase orgânica, gostaria de lançar um repto aos meus colegas para, nesta quadra que se avizinha, comprarem o livro Apneia, já aqui mencionado.

Tendo como protagonistas pai, mãe e filho – tríade, por vezes, tóxica –, trata-se de uma narrativa densa, salpicada de interessantes pormenores.

De entre os muitos e diferentes assuntos abordados ao longo de quase 700 páginas, todos eles de palpitante atualidade, entendo ser de realçar: a violência psicológica e as inúmeras consequências daí decorrentes, como o ónus da culpa; o drama da alienação parental; a sempiterna ineficácia desses monstruosos e gigantescos labirintos que são, enfim, os corredores da justiça, onde processos que requerem ação imediata se arrastam e delongam por tempo indeterminado; um certo laxismo penal que teima em persistir; o imenso desgaste que um divórcio litigioso, qual carnificina, frequentemente acarreta; e, não menos interpelante, a violência infantil no seio familiar.

A forma clínica e desassombrada como Tânia Ganho, ao mesmo tempo que retrata aspetos comezinhos do dia-a-dia, disseca e explora, com admirável destreza, lucidez e propriedade, assuntos que sabemos delicados é, sendo eufemístico em extremo, de cortar a respiração, de tal forma que me vi obrigado, na tentativa de recuperar o fôlego perdido, a suspender, durante breves segundos, a leitura.

Apneia retrata fielmente o dia-a-dia de milhares de famílias estilhaçadas, onde não apenas a mulher é vítima (também as há do sexo masculino), como as crianças, uma vez nas malhas da justiça, autênticas marionetas, “Adriana via Edoardo saltar de uma casa para a outra, levando discursos de ódio do pai para o apartamento da mãe e informações sobre a vida privada da mãe para a vivenda do pai, e perguntava-se quantos adultos suportariam viver assim, num vaivém constante, num leva e traz, uma semana num bairro, uma semana noutro, fazendo de intermediário entre duas pessoas incapazes de se respeitarem.” (p. 204). Mais do que uma criança, uma bola de pingue-pongue.

Como refazer a vida depois de um casamento fracassado? Quais as batalhas que uma mãe diligente e protetora está disposta a travar? Quais os limites de uma mente ensandecida, obcecada e viciosa? Como lidar com um pai que planta no seu filho, sem pejo nem pudor, as sementes do ódio e da intolerância? Eis algumas das questões com as quais, capítulo após capítulo, o leitor se vê confrontado.

Uma obra que prima pelo conteúdo, bem assim como pela forma. Tudo nela flui naturalmente, como se de um longo poema se tratasse. Puro mel literário. 

E se os licores aquecem os humores – expressão de Charles Dickens –, então Apneia, além de um livro escorreito, é também uma ótima bebida, daquelas a que ninguém resiste incólume.

4. O jogo dos papéis (Leitor > Revisor > Editor)

Joana Camões Pereira
 
Pus um pé na porta sem dar por isso. Há um ano, comecei a frequentar um curso de Revisão de Textos. Sem compromisso. Sem expectativa. Afinal, maior o domínio que se tem sobre a língua, maior a precisão de cada palavra e símbolo. Pensava eu que apenas ia limpar a escrita, torná-la clara e directa, subtrair floreados e fazer chouriços light.
Quando dei por mim, já não era leitora enquanto lia: era revisora tentada a pegar no lápis, a riscar, a corrigir e intervir, a interagir com o objecto que até então me parecia distante embora o segurasse nas mãos.
Daí a começar a testar os limites da revisão, foi saltar o Pulo do Lobo. Inúmeras vezes debati o assunto com o formador Manuel Monteiro, que me recomendava a moderação e bom senso. Não percebi, não completamente.
A resposta chegou somente quando os trabalhos de casa se transformaram em revisões reais. Compreendi que existiam apenas dois factores limitativos: a abertura do autor e o tempo. Paradoxalmente simples. Exige uma ginástica de equilibrista dependendo das falhas a colmatar, assim é o tipo de aprimoramento possível de acordo com os prazos que existem (que naturalmente têm de existir). Houvesse um mês para trabalhar cada texto, trocando incontáveis e-mails com o autor, o resultado seria decerto melhor. Mas, como diria Leibniz, no melhor dos mundos possíveis, é o possível.
Foi nessa transição para a realidade que percebi que não se queria um revisor no sentido estrito (uma espécie de grammar nazi sujeito a uma lobotomia em que se aproveitava para enfiar no cérebro os doze volumes do Grande Dicionário da Língua Portuguesa de José Pedro Machado, quatro ou cinco prontuários com os AO 45 e 90 e, se coubesse, ainda um regime preposicional de verbos, coisa que nenhum português se lembra que existe), mas alguém que, além de conhecer profundamente a língua, soubesse também ler «aqui corta esta palavra», «não uses essa, opta por esta», «aqui basta uma vírgula, não precisas de "entre outros"» alguém que sabe sentir o pulso do texto e editá-lo de acordo com a sua própria respiração (se o autor não põe vírgulas, não nos devemos sentir revoltados quando não a põe antes de um vocativo; se a personagem não nasceu em berço de ouro, prata, bronze, é mais natural que diga «umas cinco gramas» do que «uns cinco gramas» quando vai comprar droga não é erro, é registo).
O Grande Revisor barra Editor é um Grande Leitor, acumulando outros papéis, é peça que ocupa um dos quatro quadrados centrais do tabuleiro de xadrez.
 
Nota: A quem se interessar pelo mester do revisor, recomendo a leitura deste artigo.

sábado, 12 de dezembro de 2020

“É para oferecer?"

Francisco Rúbio



Sim, para oferecer à prima de 10 anos. 

 

















Descobri que da livraria “It´s a book”, na Rua dos Anjos, se pode dizer: Aqui é um bom lugar. Aconselhado pela livreira de serviço comprei este diário autobiográfico de Teresa Tristeza, personagem que nos leva por uma viagem ao mundo da adolescência, esse caldeirão de contradições. Com ilustrações simples, mas não simplistas, de Joana Estrela e texto de Ana Pessoa, acompanhamos a personagem principal pelos seus ambientes: na escola e em casa. Uma narrativa contemporânea onde se misturam o slang inglês com o calão português. Esta obra da editora Planeta Tangerina foi premiada com o Prémio Literário Maria Rosa Colaço em 2018 na categoria Literatura Juvenil. Os dilemas da jovem adolescente, Teresa, e os temas que leva para casa interrompidos por pequenos contos, mensagens de whatsapp com amigas e os descobrimentos próprios da idade. Angústias, desalentos, inícios amorosos, questões que surgem de ditados populares. Ideias esquisofrénicas que acompanham um tempo hiperestimulado e onde as regras veêm sempre em inglês. Imagens com cheiro a liberdade que respiram criatividade. Recortes de jornal, fotos polaroid misturados com representações de dispositivos tecnológicos tornam este livro um diário, ou uma ponte, analógica-digital.




Sim, é para oferecer à minha tia.  




Sem ajuda do livreiro, perdi-me uma hora e tal na Tigre de Papel. Inspirado pela presença de Rumi - o poeta místico do Islão, um sufista pacifista e contemplativo, e talvez o sábio oriental mais reconhecido no Ocidente - no pensamento e obra de Afonso Cruz, decidi optar por esta edição curiosa da editora Maldoror. A imediatez das cores, a textura e os traços dos dervixes mevlevi dançando, transpirando leveza e movimento, despertam-nos para a capa ao longe. Os rubaiyat, tal como os haikus japoneses ou os sonetos ocidentais, são uma breve forma poética. No caso de Odes à Embriaguez Divina, Jalal Al Din Rumi dedica-se a falar do amor, da sabedoria e do vinho como matéria filosófica e una para a vida. Este livro transporta consigo toneladas de peso metafórico, visto que o álcool é proibido no Islão, e por isso a mensagem de Rumi pode ser interpretada até onde o leitor quiser. Um convite a parar, reflectir e sermos surpreendidos com modos de usar a vida que não nos estão próximos. Com os quais devemos aprender. Uma obra da responsabilidade (prefácio e versões) de mais um homem dos mil ofícios à volta do livro, neste inexacto mundo das ciências humanas, o angolano Zetho Cunha Gonçalves.






Sim, é para oferecer ao meu primo de treze anos.  




Perante a pergunta do meu primo, durante um almoço de família: “Qual a diferença de uma ditadura de esquerda e uma de direita?”, tornou-se urgente a escolha de um livro que ajudasse o adolescente a compreender o que aí vem na próxima década política (ou não, esperemos). É assim a Ditadura é um livro da Orfeu Negro (da sua chancela mini), que me foi aconselhado na livraria Distopia. Publicado na década de 70, mas que não perdeu actualidade alguma, esclarece como funcionam os regimes onde não há eleições livres, liberdade de expressão nem respeito pelos direitos humanos. Engana-se quem tome este livro como pueril. Esta obra infanto-juvenil lembra a fragilidade constante da democracia. As ilustrações de Mikel Casal - artista basco que nasceu em plena ditadura franquista- compõem um livro destinado a informar os votantes de amanhã sobre os verdadeiros perigos dos regimes (um bocadinho) menos democráticos: onde se ditam ordens sem espaço para porquês, onde se ditam regras, leis e censura ou onde se queimam livros como este.




sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

1.1. Excerto de um poema meu: "Morte & Poesia",

Um cadáver olha um milheiral sofrido
repleto de podre
por um brilhante inferno atingido
que deixou o fazendeiro pobre
este corpo pelo inverno batido
A forma apodrece sem dó nem divindade
vai perdendo o sentido
já perdeu a rima e há de morrer
a estrutura como já se acabou a pontuação

Será prosa sem razão Não que é 
poesia porque é estúpida

Vale a pena outra estrofe? 
Por mais que a ordem volte, o 
espetro niilista da sua falta
impera sobre o medo e dá à 
regra mais vontade de destruir-se…
A uma nova linguagem!
É para os parvos o futuro!

1, 2, 3… Números e sinais
em decadência da poesia… Beberam 
da pólvora e encharcaram a
literatura com a sua falta de bom senso, 
mas destruíram – oh, que finalmente
os destruíram – os fantasmas do passado… 
A cheia continuou, mas sem 
espírito… PUM! TAZZ! CATRAPUM!

PÓLVORA E GRITOS SANGUE E GUERRA SLOGANS EXPLOSÃO POESIA SEM ORDEM NEM PIEDADE PIADAS DOS PARVOS GRITOS GRITOS GRITOS MORTE GUERRA PUM PUM PUM MÚSICA DAS TRINCHEIRAS RELINCHAR DAS ARMAS MILHEIRAL EXTINTO CORPO LONGE DA MEMÓRIA

vira-te para a calma 
e tira os gritos às palavras do início
pois que nunca ouviste um início
sempre foste, a alma 
à beira do precipício 
a rima regressa nas diretrizes
um guerreiro que lambe as cicatrizes
os fantasmas porém não voltarão
arrumados na campa da pontuação

Apodrece o verso. Justificado, o texto formaliza-se, veste um fato e vai fumar para as ruas de Paris (fica-se mais específico, porque assim se contam estas histórias). A prosa encandeia-se de propósito quando põe os olhos bravos numa mulher que a resista, ou quando mata de uma assentada, e por dinheiro, ganho ou vontade, outro qualquer ser humano que não tinha razão de morrer que não fosse a narrativa. A narrativa, nascida da poesia mais bela e antiga (os Cantos da beleza e astúcia dos heróis) é a meretriz sacrificada da poesia à prosa… Os poemas épicos deram ares a filas e filas e mais filas de letras que cansam os olhos e dão às mãos de quem escreve um medo da mortalidade…  A poesia morre: já não querem saber dela se não se apresentar nua e vendida a sentimentalismos, ora do pessoal e macabro – o profundo e íntimo testemunho de uma alma – ora do crítico – o repetido e excessivo grito de protesto que nada acrescenta e que só faz barulho dos túneis do tempo, porque ecoa corajosamente o que já foi antes e melhor gritado. Mas ah, que querer voltar a fazer poesia – querer erguer catedrais onde já não se reza ou se apreciam História ou cultura – é o pecado natural dos que se ainda rebelam nos versos!

Arre, que volte!
Que a poesia se solte!
Que o verso de novo se revolte!
Sem razão e barato, 
imortal devaneio caricato!
Ergue o estandarte
desse teu inferno!
Levanta a arte 
e faz-te de novo eterno!
Oh, verso amado
choram-se rios e mares
por ouvir os teus cantares… 
Irra de não teres voltado!

New York Times, Dec. 11, 2020

Why Is Publishing So White?

 

É o título de um artigo de opinião publicado hoje pelo NYT, de Richard Jean So e Gus Wezerek. Atenção à rapidez do scrolling no início, não percam o grafismo. 

 

O artigo passa por uma série de aspetos falados na aula de ontem: 
 
  • a influência das redes sociais no mercado editorial, que aqui aparece sob efeito da hashtag #PublishingPaidMe, através do qual diferentes escritores partilharam as quantias que receberam em avanço após um celebrarem um contrato editorial, mostrando diferenças consideráveis de acordo com a etnia do escritor;
  • a resposta dada por diferentes casas editoriais pela mesma via, através do aumento de publicações por escritores de comunidades marginalizadas, e da reformulação da própria editora, num esforço que pode passar, por exemplo, por  prémios literários;
  • e, acima de tudo, a importância do berço, focada não no nome, mas na cor

 

“It’s amusing to me when publishers say that they follow the market,” said Ms. McKinney. “They’re doing it because of tradition. And the tradition is racism.” 

 
Boa leitura. Basta clicar no título do artigo.
 
 

João Mourão

Clarice

 Ontem tivemos alquele momento epifania, Clarice Lispector invocada por coincidência no seu centenário. Aqui fica uma homenagem do Instituto Moreira Salles, que já h+a dez anos tinha feito um belo trabalho com o mais emblemático poema de Drummond. Vale mesmo a pena ver ambos. 

O terceiro anexo é da famosa revista americana Paris Review e é a disponibilazação de um texto dum jornalista que conheceu Clarice. Está em inglês, Clarice escreveu em português, mas tem alguma ironia esta relação de poder de que falámos. Clarice vira universal através da sua tradução para o latim moderno, e consequente aceitação. Mas, lembremos, antes da tradução já era grande.    

Legenda: 




quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

1. Se Num Metro Um Escritor Viajante

 A ideia de um pouco eloquente discurso com pretensões poéticas sobre algo que desconheço veio-me de dois distintos destinos:  um que me colocou nas brumosas águas da Edição de Texto e um outro, uma Moira pós-modernista, oráculo que me indicou no sentido de Se Numa Noite de Inverno Um Viajante de Italo Calvino.

Tal como o leitor de Calvino tenta começar a ler nos transportes públicos, começa numa carruagem do metro este pequeno verbete que ainda sofreu edição antes de ser enviado para o blog. O que aqui vos apresento é, então, uma breve palavra sobre a atual posição do autor e do editor à luz de uma parte minúscula de Se Numa Noite de Inverno Um Viajante.

A introdução do atarefado doutor Cavedagna dá ao leitor - tanto personagem como empírico – uma martelada de realidade que desfaz a figura fantástica do mestre editorial e do glorioso sucesso de qualquer um que, procurando escrever um grande romance ou uma grande poesia, neste mundo se aventure. Em vez de encontrar-se o império dos inspirados poetas e dos individuais novelistas e romancistas que, tocados pelo seu génio, qual martelo, vão esculpindo a literatura, diz Calvino, o que deles resta é uma esperança vã de uma qualquer Índia, substituída pelas armadas dos grupos de pesquisa e de leitura.

Aqui, como na restante obra, Calvino aproveita-se violentamente das expectativas de todo o mundo literário para as distorcer. Neste caso “já não são os indivíduos isolados”[1] como seria de esperar de um antigo mito de individualidade. Este mito demorou tempo bebendo as últimas gotas do vinho do Romantismo, apesar da distância que criou Cronos entre este e o Pós-modernismo. Acabou, contudo, por morrer nas editoras como esta, que, descansando nas costas de Cavedagna, vai massacrando o cadáver de Percy Shelley. Com que fica, então, o autor individual, iluminado ilustrador dos tempos? Como o ‘leitor’ do romance, apaixonando Cavedegna com as memórias de quando se liam e escreviam livros.



[1] Calvino, Se numa Noite de Inverno Um Viajante, p.120


Francisco Lourenço



quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Tornar um livro comercial: O Naturalista, de Miguel Peres


Ana Filipa Leite


Quando o Filipe publicou aqui o seu texto sobre O Naturalista, de Miguel Peres, ele mencionou que não conseguia tirar esse livro da cabeça. E eu também não consegui. O que o Filipe escreveu fez-me querer saber mais sobre o livro aparentemente homofóbico que afinal não o é e que tem uma capa que comunica “Eu sou feio porque fui feito para gente erudita. Vocês que gostam de capas bonitas não apreciariam a complexidade do meu interior.”

Então, li o livro, com o propósito de depois lhe dar uma capa mais comercial. Infelizmente, O Naturalista é – para mim – terrível. A escrita de Miguel Peres precisa de mais do que uma grande revisão. Acho espantoso que um livro consiga ser publicado com tantas inconsistências, erros ortográficos e gramaticais e uma formatação que não se adapta a e-readers (apesar de o livro só estar disponível em formato digital). O modo como o autor abordou a temática LGBT+ também me deixou desconfortável, e não fiquei surpreendida quando li no Goodreads que Miguel Peres não pertence à comunidade.

Mesmo assim, fiz-lhe a tal capa e aqui está ela. Com algum esforço, O Naturalista poderia ser vendido como um policial/thriller e, é claro, como livro LGBT+. Foram esses os géneros que tentei dar a entender no design. Também criei uma contracapa com um texto meu, e aproveitei para citar o Filipe nela. Desculpa, Filipe, mas para o livro realmente vender tive de dar a citação da capa ao Stephen King.


 

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

5.2. Novos suportes, velhos importes


Francisco Rúbio



Um livro deve facilitar a vida ao leitor? O prestígio do livro deve competir com o tempo de ecrã do smartphone, do tablet ou da televisão? Ou fundir-se neles e liquidificar a literatura? Parece-me, que, o árbitro ainda não apitou para o início deste encontro e o livro já saiu goleado. Os novos suportes transformam o livro numa outra coisa. Informação digital e descartável reunida numas linhas sendo apenas mais uma aba que divide o T0 da nossa atenção com a thread do Twitter, o vídeo de Youtube, o post de Facebook, a pesquisa do Google e o story de Instagram. 


Movimento intelectual vs Movimento efémero. O livro dura menos que uma revista no quiosque. Italo Calvino foi incumbido de apresentar seis valores para a escrita do século em que estamos: Leveza, Rapidez, Exactidão, Visibilidade, Multiplicidade e Consistência. Ficou a faltar um. Antes de escrever o sexto, faleceu. Mas conseguiu prever o que o livro hoje deve ser. Os grandes pensadores têm esse dom: a antecipação. 


Não acreditam? 


Agostinho da Silva, numa das suas Conversas Vadias, convida Maria Elisa a perguntar-lhe coisas, e antevê: “vai haver tanta máquina a fazer tanta coisa que não vai haver emprego para os jovens, que nascerão desempregados.”


Sim, a experiência com o livro tem de ser difícil e profunda. Não há folhear, nem existe ligação com um ibuque, um mero ficheiro. Não se caminha até à livraria se comprarmos os livros todos numa plataforma digital. Deixa de haver adversidade. A sedução da leitura não é mesmo essa?


    "Está muito na moda as pessoas quererem livros pequenos porque têm pouco tempo para ler, tanto assim que achei ser uma ótima oportunidade fazer um livro poético sobre aquilo que me interessa.” António Damásio, acerca do seu último livro, Sentir & Saber - A Caminho da Consciência, dá razão ao que o professor dizia há algumas aulas atrás: muitos capítulos e breves para não molestar o frégil leitor, por favor.


Fontes:

https://www.dn.pt/edicao-do-dia/05-dez-2020/e-um-disparate-as-pessoas-convencerem-se-de-que-a-inteligencia-vem-do-cerebro-13104356.html

Sebenta Tedi 19 A pdf

https://www.youtube.com/watch?v=g7JmgJ6wQKk

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Proposta de Pontuação

Raquel Paixão (pontuação), Ferreira Fernandes (texto)

MARCELO, UMA RARIDADE 

Já o contei e repito: no dia seguinte à eleição do Papa Francisco, voltei a vê-lo na basílica de Santa Maria Maior, em Roma. Vi um papa que andava como um homem comum. Escrevi, “ele anda como toda a gente”. Gosto de pescar raridades destas. Ontem, fui ao lançamento do livro dum amigo, o fotógrafo Rui Ochoa. É um livro de assunto único sobre um homem num momento muito importante dele, durante o desafio para conseguir o desejo duma vida. Na segunda foto em que o vemos (na primeira está de costas), ele está em casa e acaba de saber que conseguiu. É um momento forte e um disparo certeiro do fotógrafo. Mas o que me traz aqui não é este - é o homem. O livro é sobre um homem que dá conta das pessoas à volta. Sabe-se da vida como os outros se dão conta de nós: com os olhos e com as mãos. Os olhos que nos procuram, as mãos que pousam em nós. Na campanha presidencial de Marcelo, são esses: o homem e o momento. Ele farta-se de se dar conta dos outros, na Bairrada com o leitão espetado e a entrar no forno. Marcelo torce o pescoço para olhar o assador e até aos adversários da campanha ele aproveita para lhes pôr uma mão no ombro. Eis o essencial, que o livro de Ochoa nos mostra: o balanço duma presidência faz-se, claro, no fim do mandato e assim será com este. Para já, sabemos que de comum ele tem pouco e que ele tem um interesse comum pelas pessoas. Ambas são raridades num presidente.

Pode ser o começo duma bela não sei o quê.

 

domingo, 6 de dezembro de 2020

Exercício de Pontuação - Proposta de Resolução

 

A pontuação legislativa

Já o contei e repito. No dia seguinte à eleição do papa Francisco, voltei a vê-lo na basílica de Santa Maria Maior, em Roma. Vi um papa que andava como um homem comum, escrevi: Ele anda como toda a gente! Gosto de pescar raridades destas, ontem fui ao lançamento do livro dum amigo, o fotógrafo Rui Ochoa. É um livro de assunto único, sobre um homem num momento muito importante dele. Durante o desafio, para conseguir o desejo duma vida na segunda foto em que o vemos, na primeira está de costas, ele está em casa e acaba de saber que conseguiu. É um momento forte e um disparo certeiro do fotógrafo, mas o que me traz aqui não é este. É o homem. O livro, é sobre um homem que dá conta das pessoas à volta, sabe-se da vida como os outros se dão conta de nós com os olhos e com as mãos os olhos que nos procuram as mãos que pousam em nós. Na campanha presidencial de Marcelo são esses. O homem e o momento. Ele farta-se de se dar conta dos outros, na bairrada com o leitão espetado e a entrar no forno. Marcelo torce o pescoço para olhar o assador e até aos adversários da campanha, ele aproveita para lhes pôr uma mão no ombro. Eis o essencial que o livro de Ochoa nos mostra, o balanço duma presidência. Faz-se claro no fim do mandato e assim será com este. Para já sabemos que de comum ele tem pouco e que ele tem um interesse comum pelas pessoas. Ambas são raridades num presidente, pode ser o começo duma bela não sei o quê.

10. O que quero ler/editar? (10.1. Artesanato ou indústria?)

 

A última aula foi não só um belo exercício sobre a topografia do mundo editorial, ou melhor, uma revisão de alguns dos assuntos vários que foram tratados ao longo do semestre, como ainda um terreno muito fértil para a discussão que neste caso incidiu também sobre as noções de camp1 e kitsch, conceitos que podem interpretar a edição como um verbo, isto é, enquanto ação. O professor teve tempo para lembrar-nos do nome de Susan Sontag, autora que publicou um ensaio que, apesar de ainda não o ter lido (no fim deste verbete terão acesso ao texto por hiperligação), bastou-me uma curta pesquisa pela internet para decifrar algumas das ideias centrais, uma das maravilhas do hipertexto, podendo saltar continuamente de texto em texto, sempre à procura das palavras.  Associado ou lido frequentemente em círculos académicos desde a sua publicação em 1964, Notes on Camp, é essencialmente um ensaio sobre a estética e o(s) significado(s) do camp. Encontrarão abaixo uma citação da autora que explica o que se quer dizer quando se fala em camp.


“Indeed the essence of Camp is its love of the unnatural: of artifice and exaggeration. And Camp is esoteric – something of a private code, a badge of identity even, among small urban cliques.” Susan Sontag, 1964.



(Divine, Pink Flamingos, 1972)


Tanto o artesanato como a indústria funcionam enquanto espaços de construção editorial. Editoras, gráficas, livrarias, oficinas, estão todas sujeitas a uma existência polimorfa. Se um artesão manufatura um caderno de oito folhas ou um trabalhador produz uma tiragem de cem exemplares, é porque as dimensões dos seus ofícios assim lhes permitem . Todavia, a feitura também é identitária. Editar ou fabricar um corpo, do mesmo modo que um livro aquando da sua publicação, através da sua imagem é uma forma de parodiar o absurdo da vida e da sociedade contemporânea. A estética camp propõe esticar as noções que comummente são partilhadas pela sociedade sobre o que é um homem ou uma mulher, até que estas se rompam, para além da dualidade masculino-feminino. É precisamente através desta perspetiva que o drag (ou transformismo, na falta de um melhor equivalente na língua portuguesa), está intrinsecamente ligado à estética camp.


Confesso que quis intervir em aula, mas acanhei-me. Frequentemente, sou assaltado pela falsa dicotomia emoção/razão. Uma das características que diferenciam a palavra escrita da palavra falada, ou seja, a escrita da oralidade, é o tempo para a organização das ideias. Cognitivamente, quer parecer-me que a escrita disponibiliza um tempo a que não temos acesso quando precisamos de comunicar oralmente. Tendo então arrumado as ideias, consigo agora expor um ponto de vista, que, por vezes, é mais difícil para alguns falantes, seja em que língua for.


Sobre o kitsch. Bem, sobre este termo devo dizer que sei pouco, muito pouco mesmo. Procuro frequentemente o conforto dos dicionários quando desconheço uma coisa. Neste caso, o dicionário da Porto Editora diz algo como uma possível manifestação artística que trata estereótipos sentimentalistas, melodramáticos ou sensacionalistas. Acham que o Menino da Lágrima é uma pintura kitsch? Eu não sei, mas o meu padrasto tinha um em sua casa.


Miguel A. Baptista



Camp: Notes on Fashion - YouTube 

RuPaul Charles: Who Was 'Pure Camp' At Met Gala? - YouTube 

“O Menino da Lágrima”, o quadro que assombrou mil infâncias e casas portuguesas | Objectos (quase) obsoletos | PÚBLICO (publico.pt) 


1. Sobre a definição de camp, o Oxford Advanced Learner’s Dictionary diz-nos que o termo significa aquele que comporta-se deliberadamente de um modo socialmente entendido como homossexual. Há ainda uma aceção que remete o leitor para o efeminado, no exagero do estilo, especialmente de uma maneira intencionalmente divertida.

sábado, 5 de dezembro de 2020

Exercício de Pontuação - Proposta de Resolução

UM PRESIDENTE FORA DO COMUM

Joana Nunes (pontuação)


Já o contei e repito: no dia seguinte à eleição do Papa Francisco, voltei a vê-lo na Basílica de Santa Maria Maior, em Roma. Vi um Papa que andava como um homem comum. Escrevi: "Ele anda como toda a gente." - gosto de pescar raridades destas. Ontem fui ao lançamento do livro dum amigo, o fotógrafo Rui Ochoa. É um livro de assunto único, sobre um homem num momento muito importante dele, durante o desafio para conseguir o desejo duma vida. Na segunda foto em que o vemos (na primeira está de costas), ele está em casa e acaba de saber que conseguiu. É um momento forte e um disparo certeiro do fotógrafo. Mas o que me traz aqui não é este, é o homem. O livro é sobre um homem que dá conta das pessoas à volta. Sabe-se da vida como os outros se dão conta de nós com os olhos e com as mãos - os olhos que nos procuram, as mãos que pousam em nós. Na campanha presidencial de Marcelo (são esses o homem e o momento), ele farta-se de se dar conta dos outros. Na Bairrada, com o leitão espetado e a entrar no forno, Marcelo torce o pescoço para olhar o assador, e até aos adversários da campanha ele aproveita para lhes pôr uma mão no ombro - eis o essencial que o livro de Ochoa nos mostra. O balanço duma presidência faz-se, claro, no fim do mandato. E assim será com este. Para já, sabemos que de comum ele tem pouco e que ele tem um interesse comum pelas pessoas. Ambas são raridades num Presidente... Pode ser o começo duma bela não sei o quê.

Texto de Ferreira Fernandes

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Sala 43 - sumário da aula de 3/12 (maizoumenos)

 1. Tudo começou com um equívoco 

Ou um erro. Alguém marcou para a nossa sala um teste. Quem cometeu o erro? Os serviços, provavelmente. Mas os serviços têm as costas largas. A verdade é que (disse-o há quatro aulas, salvo erro) não importa quem comete o erro. Disse mais: numa empresa saudável todos erram, mas todos merecem confiança porque a maior parte do tempo são competentes. Numa empresa saudável ninguém tem medo de errar. 

E, implícito, ninguém tem receio de assumir a responsabilidade pelo erro. 

Infantilidade: exigir muito dos outros, achar que nós temos sempre desculpa. Eu sei que sou um bocadito assim - na verdade, somos todos um bocadito assim. Não tem mal. Só tem al quando nós somos muito assim: quando nos habituamos a fugir à responsabilidade e somos ágeis a culpar os outros. 

A coisa foi resolvida. A sala era nossa, o erro era alheio, mas um teste trumps that. Um teste é um teste. Por outro lado, o mestrado tem poucas aulas, ou seja, cada uma é preciosa (em teoria). 

E, em teoria, é bom sermos flexíveis. Eu podia ter sido mais flexível. A outra parte também podia ter dito logo que a sala era anormalmente ampla, 43 lugares - ou seja, nós cabíamos. E eu também podia ter feito logo a pergunta: quantos lugares tem a vossa sala original? 

Em nossa defesa (dos professores): estávamos com a cabeça noutro lado. E, quando uma pessoa está tensa ou preocupada, pensa pior. Muitas vezes, a solução é simples, só que não a vemos. Outras vezes, criamos soluções que são piores que os problemas - e viram os verdadeiros problemas. 

Em how Real is Real? (1976) Watzlawick dá um exemplo muito engraçado de quando a solução vira o problema: os EUA tinham um problema de alcoolismo. Criaram a probição. Resultado: além do alcoolismo, que não foi eliminado, passaram a ter um problema de banditismo, de saúde pública (o álcool clandestino era de pior qualidade)

Mas eu - e digo eu porque há aqui um eu - poderia ter sido mais flexível. Geralmente sou-o. Mas houve alguns incidentes antes que me estreitaram o foco: a fechadura do meu gabinete mudou, estava focado na aula, etc. 

Moral: nós nem sempre estamos em forma. Não tem mal. Mas convém estarmos atentos a isso. 

Quando nos perguntam se conseguimos traduzir 400 páginas em dois meses é isso que fazemos: ponderamos as condições e assuminos ou não a responsabilidade. 

Sermos fluidos, disponíveis, abertos é o ideal. 

A aula ia numa direcção, acabou por ir noutra. Na volta, a mudança de sala até melhorou. Mas esqueci que tinha levado no bolso uns livros miniatura para nos mostrar a variedade desta forma incrível de transportar ideias, emoções, desenhos.  


2. Booktrailers

2.1. Uma boa regra do marketing 

Vale a pena usar as redes sociais? «Tudo vale a pena/se a alma não é pequena», para citar Pessoa. As redes sociais permitem hoje fazer comunicação e marketing de forma rápida, barata, acessível. Não admira que tenham sido as pequenas editoras a, pelo menos em Portugal, chegarem primeiro à Internet. Era uma forma de contornar os preços das publicidades convencionais, cartazes, rádios, TV. 

2.2. já na aula, o meu momento Vence

Esta semana um comentador na Sic manifestou a sua admiração pela lucidez de Eduardo Lourenço intuir que iria expirar em 2020: "Assinava os artigos com Vence em 2020!» Na verdade, Vence é a terra no sul de França onde morou quase meio século, com a esposa. 

Pois bem, a minha segunda prova de falta de golpe de rins - o golpe de rins, a capacidade quase taoista de sermos fluídos, flexíveis, disponíveis. E depois a minha tentativa tragicómica de explicar o booktrailer de Valter Hugo Mãe... Meu Deus, só espero que não estivesse ninguém a ver. Ainda bem que não era dele. My bad. Mas era um booktrailer: uma bonita homenagem de uma turma do 8º ano. 

Moral: não vale a pena chover no molhado. Metemos água? Acontece. Fomos ridículos? Também acontece. 

Ainda Pessoa, agora na pessoa de Álvaro de Campos: «Todas as cartas de amor são ridículas»... Mas mais ridículo é quem não as escreve. Ou, como dizia a minha mãe: «Quem não faz nada não parte nada». O que nos entala é ficarmos paralisados quando uma coisa corre mal. Memória da aula 2: numa empresa saudável, aceitamos as responsabilidades, não passamos culpas. Passar culpas é infantil, reconhecer responsabilidades é adulto. Infelizmente, muitos adultos portam-se como crianças. (Aqui, no parlamento, um deputado rival com gosto pela demagogia clamaria angustiado: «O que tem o senhor contra as crianças?!») 

2.3. Conhecem o ditado «O importante é que falem do meu trabalho, nem que seja para dizer mal»? Pois Salvador Dali melhorou-o: «O importante é que falem do meu trabalho, nem que seja para dizer bem».   

2.4. O booktrailer de Gonçalo M. Tavares: fiel q.b. ao livro e ao autor. E bem feito. Definindo o público-alvo, respeitando a poética do autor. O booktrailer de Mr. Mercedes: um filme super-profissional, caro, só com leitura de um trecho contra uma ilustração visual e sonora do ambiente do livro. Mas se lermos um texto ao telemóvel e o postarmos no Youtube, Instagram, Facebook etc., também é um booktrailer. Pode ser feito em dois minutos e ter zero investimento, pode levar semanas e implicar uma produção dispendiosa. 

Moral: se pudermos, gastamos dinheiro. Mas hoje é possível publicitar gastando pouco. 

3. Follow up 

É dar seguimento mas é um pouco mais: é assegurar que a comunicação continua estabelecida. Quando o império espanho, esta va entrando em decadência, foi inventada a fórmula que explica muita coisa: «Se obedece, pero no se cumple.»

Há técnicas várias para insistir sem parecermos insistentes. Como em tudo, temos de encontrar a fórmula que melhor se adequa a quem somos. 

E há, até quando criticamos alguém, a famosa sandes de ***. «Saiba que tenho imenso respeito por si e sempre o eachei supercompetente. Mas aqui fez uma burrice de todo o tamanho! E digo-o, porque tenho estima por si.» Etc. 

4. Os casos Byblos e Babel.

História do banqueiro que virou dirigente da APEL e ia publicar «toda a Senhora Dona Agustina». 

História do excelente editor/dono (Areal/Asa) que decidiu ir para um terreno que não conhecia.    

Moral: ter lido Sun Tzu ajudaria. Conhece o terreno e tens meia batalha ganha.conhece-te a ti próprio e é impossível perderes. 

5. Anedota do coelho na cartola

Três foram à entrevista, mas quem ficou com o lugar foi um quarto, que não foi à entrevista. Ainda tende, infelizmente, a ser assim. O que posso dizer? Campo com tendência para a endogamia, o da cultura... Reconhecê-lo ajuda-nos alidar melhor com isso. 

6. Percepção

John Keegan escreveu uma dúzia de livros sobre a guerra. A noção de que a guerra começa logo na decisão de quando e como começa e fecha é prima da fórmula de Max Weber: «O Estado reclama-se o monopólio da autoridade legítima». Lembra também outra asserção: «A História é escrita pelos vencedores». No caso da guerra do Iraque de 2003 (com Saddam a fazer boneco vudu de Bin Laden), aconteceu um conflito entre duas perspetivas: e o conflito continuou até na definição de quando começava e quando acabava - bem como em que terreno e com que armas e regras se cumpria... Aqui o trecho de um livro de 2004:   



7. O contrato 

7.1. do desenhador

O mundo do livro era, em teoria, um mundo àparte da velocidade e superficialidade de outros mercados em torno da 'cultura'. Não mais. 

Mathew McConaughey publica um livro. Um crítico chama-lhe um «homem da Renascença». 

Os editores que têm mais pressão em atingir objetivos de faturação cada vez mais buscam esses Renaissance Men & Women

 

7.2. Marca quem comarca

A lenda de Alberto João: instaurava processos no tribunal do Funchal e obrigava jornalista e jornal (e muitas vezes o diretor era também réu) a perderem tempo e dinheiro em deslocações de avião. A certa altura, cansava. 

Exemplo: se o Manuel Afonso vive em Tóquio e o contrato que ele e o Filipe assinaram implica que, em caso de conflito, a disputa será num tribunal de Tóquio, tem logo vantagem. 

Moral: Mas o ideal é evitar ao máximo o conflito. Em Portugal, é moroso e desencorajado. 

8. Lições de Scarface

81. O caso dos dois tradutores

O rico e o pobre. Um traduziu do romeno para o russo e vice-versa. Dezenas de obras-primas. Um, da Universidade do Texas, traduziu uma poeta contemporânea, LilianaUrsu - o pobre tradutor para russo ficou com o prémio menor. 

O jovem tradutor americano tinha levado a poeta romena para a língua divina. Tal como Richard Zenith «criou» Pessoa, ao traduzi-lo para inglês e o levar ao New York Times Review of Books. Ou agora finalmente nos EUA descobriram que Clarice Lispector «é talvez melhor que Borges» [sic]. Ou Elena Ferrante, cuja glória é distribuída a partir do sucesso em inglês. 

8.2. Bibliodiversidade 

A ideia do livro é diversidade. Era. Na verdade, talvez tenha sido sempre - como tudo na vida - poder.

E isto contamina, prejudica as culturas locais. Torna-as negocialmente inferiores. Como quando no aeroporto, alugando o carro, por falar a língua mas não tão bem como devia (era estrangeiro>) de turista (superior, chique a valer) fui despromovido a imigrante (inferior, brega). E aí lembrei Sun Tzu: ter um conflito num terreno onde o outro domina é uma asneira.  

Isto afeta inclusivamente a produção. Empobrece o uso da língua. Um dia acabará tudo a escrever para facilitar a vida à tradução.

É mau quando os jovens autores escrevem na língua de origem sonhando ser traduzidos. Acabam por escrever, não para os leitores, mas para facilitarem a vida aos tradutores.    [rasurei porque repete a ideia do parágrafo anterior, sem acrescentar muito.]

Moral: chegaremos ao dia em que um livro só é livro quando é traduzido para inglês? 

O poder americano. Incontornável, com mérito, mas ajuda compreender que não é pela graça e obra do Espírito Santo. É circunstância geopolítica. 

9. Episódios à margem

9.1. Da Olá à Caras. Da suposta aristocracia (mal impressa e mal fotografada no suplemento Olá do Semanário) à democratização bem impressa da Caras

9.2. O caso do jovem escritor                                                                                                                 que fazia um trabalho sério numa revista de fofoca (pensando erradamente que o divertimento não pode ser útil à sociedade) e se tornou o enésimo artista torturado da praça literária, escrevendo romances que, esses sim, eram redundantes. 

9.3. «A tese é como o porco, não se deita nada fora», disse Umberto Eco, em Como fazer uma Tese (1977). Uma aula é igual. Mesmo o acessório pode, em certo momento, virar essencial. 

[continua]

Money, Power, Juice

 

Manuel Afonso


You get the money first, then you get the power, then you get the woman”: o resumo do American Way, exportado para o mundo pelo Capitalismo americano.


Uma sequência imortal de Scarface, que funciona como uma metáfora abrangente, cinicamente pragmática, do caminho para o sucesso num mundo pragmaticamente cínico. Um mundo a que a Cultura e a Edição não escapam. Ou escaparão?


Scarface é de 1983 e estamos quase em 2021. Após ver a sequência, as palavras de Al Pacino - “money, power, women” - têm ecoado de outra forma na minha biblioteca mental. Uma forma mais ritmada, mais urbana, mais agressiva. E com voz feminina. Há dias que ecoam desta forma, sobre uma batida de fundo- “first you get the money / then you get the power”... Não foi de Al Pacino que aprendi esta fórmula. De onde foi?


Estamos em 2020: fui tirar a teima recorrendo ao método do Miguel Ângelo – não o da Capela Sistina, mas o da nossa turma. O Google é como o algodão: não engana.


Na boca retangular do motor de busca, que tudo engole e regurgita, coloquei a deixa de Pacino: “first you get...”. O Google não espera, antes de terminar o pedido, serviu-me a refeição já mastigada.


Ice-T, Tracy Marrow. A primeira grande referência do Hip-Hop da Costa Oeste Norte-Americana. Também ele viu o Scarface, também ele assimilou a deixa de Pacino e desconstruiu-a sob o prisma de uma outra crítica crítica. Gangsters há muitos – Scarface, Ice-T, Trump –, tantos quantas há Américas. Na sua música, “Money, Power, Women”, Ice-T problematiza Scarface:


The problem is you broke, You ain't got no car or job / You slow with your hustle, You dress like a slob / Ladies ain't looking for no brothers like this / They want the dub-twisting / ballers with the ice on their wrist / You gotta get your cash right to get in the game / Might have to pull a pistol, Flip some caine /Get out in them streets and hustle hard in the rain / Take your come up and reinvest to the game / 'You gotta make the money first' / You need a lot to go far”


Não é tão fácil como pinta Pacino: a questão não é a necessidade do dinheiro, é como lá chegar. Mas Ice-T vai mais longe: “Juice is more important than cash for real / Money you spend but true power you feel” Dinheiro sem “sumo” fica curto, gasta-se. Sumo aqui é talento, conteúdo, mensagem. Pode parecer uma conclusão ingénua. Mas não caiu a Babel? Falo da Editora, nem preciso de ir à Torre...


Ainda assim, desta vez, o Google está errado. Não era a voz do Ice-T que ecoava as palavras de Pacino na minha cabeça atafulhada. Nunca fui muito fã de Gangsta Rap e a voz que piscava no fundo da minha discografia mental era feminina...


The Woman


Lauryn Hill, Final Hour: “You can get the money / you can get the power / but keep the eyes on the final hour”. A moral agora é outra. Educada no evangelismo e convertida ao rastafarianismo, a ética redentora de Lauryn Hill não está no “sumo” mas na sumidade – divina, pois claro. Isso não a impediu de passar três meses presa por sonegação de impostos: actriz, cantora e estilista, já tinha o money, o power, era The Woman. Mas uma mulher negra. Não escapou à justiça que é cega perante tantos outros sonegadores fiscais e a sua carreira musical estagnou. Com muito mais talento – e muito mais juice - que Ice-T, lançou apenas um álbum, contra os 26 deste. Money, power e juice não bastaram.


Mas há uma nova geração, uma nova América, um novo sumo. Juice é um dos hits de Lizzo. Nascida em 1988, ela é o rosto de uma nova geração de mulheres rappers – activista do Black Lives Matters, militante LGBT e rosto da luta contra a gordofobia. Mais além da ética bíblica de Lauryn Hill e dos gansterismos simétrico de Ice-T e Scarface, Lizzo tem hoje poder, dinheiro e é uma referência cultural incontornável. Nunca deve ter visto a famosa deixa de Al Pacino. A sua mensagem é outra:


If i'm shinning, everybody gonna shine / (Yeah, i'm goals) / i was born like this, don't even gonna try / (now you know) / i'm like Chardonnay, get better over time / (So you know) / heard you said I'm not the baddest bicth, you lie (...) Gotta blame it on my juice”


Scarface, de tão boquiaberto, ficaria com uma caimbra no maxilar perante este power. Uma nova ética de empoderamento na primeira pessoa, numa América – chamemos-lhes Estados Unidos, para ser justos – pós-Scarface e Ice-T e a caminho de ser pós-Trump. Não é uma novidade, Lizzo tem antecedentes, de Spike Lee, a James Baldwin, Angela Davis ou Fredrik Douglass. Mas ocupa o palco com uma centralidade nova – ela já conquistou o centro, ela é The Woman.


Lauryn Hill, vinda da classe média e apontada como menina prodígio aos 10 anos de idade, eclipsou-se no auge da carreira. Ice-T foi um gangster da vida real, assaltou carros e traficou droga, antes de servir o digno exército norte-americano, cujos assaltos e tráficos são de outra monta – ficou para a história do Rap. Lizzo, poucos anos antes do estrelato, viveu num carro e esteve prestes a desistir de tudo. Há vários caminhos da margem para o centro.


Não é isto motivo para nos iludirmos. Trump não saiu ainda da Casa Branca e, em certa medida, não sairá mesmo quando Biden der entrada. O poder é ainda gangsterismo e dá razão a Scarface. Mas não sem conflito e oposição. Nas ruas, nos média e na cultura novos caminhos são trilhados – sempre foram. Babel também caiu.



Referências musicais:


Ice-T: https://www.youtube.com/watch?v=b9-NllZhkkU

Lauryn Hill: https://www.youtube.com/watch?v=3VnAdQghhOY

Lizzo: https://www.youtube.com/watch?v=XaCrQL_8eMY


Guia de sinais de revisão

Mesmo com o semestre já findado, deixo aqui  este guia bastante completo dos sinais usados na revisão de texto. O  site  Revisão para quê t...