Joana Camões Pereira
Pus um pé na
porta sem dar por isso. Há um ano, comecei a frequentar um curso de Revisão de
Textos. Sem compromisso. Sem expectativa. Afinal, maior o domínio que se tem
sobre a língua, maior a precisão de cada palavra e símbolo. Pensava eu que
apenas ia limpar a escrita, torná-la clara e directa, subtrair floreados e
fazer chouriços light.
Quando dei por
mim, já não era leitora enquanto lia: era
revisora tentada a pegar no lápis, a riscar, a corrigir e intervir, a interagir
com o objecto que até então me parecia distante embora o segurasse nas mãos.
Daí a começar
a testar os limites da revisão, foi saltar o Pulo do Lobo. Inúmeras vezes
debati o assunto com o formador Manuel Monteiro, que me recomendava a moderação
e bom senso. Não percebi, não completamente.
A resposta
chegou somente quando os trabalhos de casa se transformaram em revisões reais.
Compreendi que existiam apenas dois factores
limitativos: a abertura do autor e o tempo. Paradoxalmente simples.
Exige uma ginástica de equilibrista —
dependendo das falhas a colmatar, assim é
o tipo de aprimoramento possível de acordo com os prazos que existem (que
naturalmente têm de existir). Houvesse um mês para trabalhar cada texto, trocando
incontáveis e-mails com o autor, o
resultado seria decerto melhor. Mas, como diria Leibniz, no melhor dos mundos
possíveis, é o possível.
Foi nessa
transição para a realidade que percebi que não se queria um revisor no sentido
estrito (uma espécie de grammar nazi sujeito
a uma lobotomia em que se aproveitava para enfiar no cérebro os doze volumes do
Grande Dicionário da Língua Portuguesa de
José Pedro Machado, quatro ou cinco prontuários com os AO 45 e 90 e, se
coubesse, ainda um regime preposicional de verbos, coisa que nenhum português
se lembra que existe), mas alguém que, além de
conhecer profundamente a língua, soubesse também ler — «aqui corta esta
palavra», «não uses essa, opta por esta», «aqui basta uma vírgula, não precisas
de "entre outros"» — alguém que sabe
sentir o pulso do texto e editá-lo de acordo com a sua própria respiração
(se o autor não põe vírgulas, não nos devemos sentir revoltados quando não a põe
antes de um vocativo; se a personagem não nasceu em berço de ouro, prata,
bronze, é mais natural que diga «umas cinco gramas» do que «uns cinco gramas»
quando vai comprar droga — não é erro, é registo).
O Grande
Revisor barra Editor é um Grande Leitor, acumulando outros papéis, é peça que ocupa um dos quatro quadrados
centrais do tabuleiro de xadrez.
Nota: A quem se interessar pelo mester do revisor,
recomendo a leitura deste artigo.
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