domingo, 13 de dezembro de 2020

4. O jogo dos papéis (Leitor > Revisor > Editor)

Joana Camões Pereira
 
Pus um pé na porta sem dar por isso. Há um ano, comecei a frequentar um curso de Revisão de Textos. Sem compromisso. Sem expectativa. Afinal, maior o domínio que se tem sobre a língua, maior a precisão de cada palavra e símbolo. Pensava eu que apenas ia limpar a escrita, torná-la clara e directa, subtrair floreados e fazer chouriços light.
Quando dei por mim, já não era leitora enquanto lia: era revisora tentada a pegar no lápis, a riscar, a corrigir e intervir, a interagir com o objecto que até então me parecia distante embora o segurasse nas mãos.
Daí a começar a testar os limites da revisão, foi saltar o Pulo do Lobo. Inúmeras vezes debati o assunto com o formador Manuel Monteiro, que me recomendava a moderação e bom senso. Não percebi, não completamente.
A resposta chegou somente quando os trabalhos de casa se transformaram em revisões reais. Compreendi que existiam apenas dois factores limitativos: a abertura do autor e o tempo. Paradoxalmente simples. Exige uma ginástica de equilibrista dependendo das falhas a colmatar, assim é o tipo de aprimoramento possível de acordo com os prazos que existem (que naturalmente têm de existir). Houvesse um mês para trabalhar cada texto, trocando incontáveis e-mails com o autor, o resultado seria decerto melhor. Mas, como diria Leibniz, no melhor dos mundos possíveis, é o possível.
Foi nessa transição para a realidade que percebi que não se queria um revisor no sentido estrito (uma espécie de grammar nazi sujeito a uma lobotomia em que se aproveitava para enfiar no cérebro os doze volumes do Grande Dicionário da Língua Portuguesa de José Pedro Machado, quatro ou cinco prontuários com os AO 45 e 90 e, se coubesse, ainda um regime preposicional de verbos, coisa que nenhum português se lembra que existe), mas alguém que, além de conhecer profundamente a língua, soubesse também ler «aqui corta esta palavra», «não uses essa, opta por esta», «aqui basta uma vírgula, não precisas de "entre outros"» alguém que sabe sentir o pulso do texto e editá-lo de acordo com a sua própria respiração (se o autor não põe vírgulas, não nos devemos sentir revoltados quando não a põe antes de um vocativo; se a personagem não nasceu em berço de ouro, prata, bronze, é mais natural que diga «umas cinco gramas» do que «uns cinco gramas» quando vai comprar droga não é erro, é registo).
O Grande Revisor barra Editor é um Grande Leitor, acumulando outros papéis, é peça que ocupa um dos quatro quadrados centrais do tabuleiro de xadrez.
 
Nota: A quem se interessar pelo mester do revisor, recomendo a leitura deste artigo.

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