4. O jogo dos papéis (4.1. O editing – prós e contras)
(Edição revista)
Servir duas senhoras ou dois senhores? Na tentativa de estabelecer uma ponte entre um dos tópicos discutidos em aula e uma leitura recente, decidi elaborar um verbete sobre um romance inglês que terminei neste último mês de outubro. O livro em questão foi o Jane Eyre, romance escrito pela mais velha das três enigmáticas irmãs Brontë. Quero assim, propor-vos um sugestivo jogo de palavras entre os vocábulos senhor(a) e leitor(a), assim como emissor e recetor. Tenham-nos em mente para a conclusão deste apontamento.
Do ponto de vista editorial, é interessante analisar como a mesma obra foi publicada em dois mercados distintos, ora falamos de Inglaterra e Portugal. Ao confrontar o mesmo romance e duas das suas edições aqui em causa, notamos logo uma série de diferenças, que refletem não só os contextos culturais dos dois países, como também a sua relação com a obra e com o seu público-alvo. As decisões de cada editora deixaram-nos uma espécie de vestígio, no que diz respeito a quem é que estas se destinavam, quando decidiram publicar as duas edições aqui apresentadas.
A edição inglesa aqui mencionada, fez parte de uma publicação onde se celebrou o bicentenário da autora, Charlotte Brontë, em 2016. O livro ostenta apenas o nome da autora, do romance e um pequeno excerto na contracapa. Este conta ainda com uma reprodução de uma ilustração a carvão da artista inglesa Sarah Gillespie, para a capa e contracapa. A editora Vintage Classics, chancela da Penguin Random House, quis, a meu ver, apelar a um público-alvo jovem, independentemente de outros marcadores sociais. Ao atualizar graficamente um cânone da literatura inglesa, a editora explorou, ou antes, desconstruiu o medo que muitos leitores têm dos livros clássicos, seja pelo vocabulário ou volume presentes em tais obras. Numa era marcada pelo esquecimento da literatura como forma de lazer, é um passo inteligente quando se decide apelar a um público através da comunicação visual descomprometida, quebrando quaisquer barreiras ou estigmas que possam afastar os leitores do livro. Ao adaptar o romance aos tempos modernos, em termos gráficos, a editora conseguiu fazer com que o livro fosse coerente com um público contemporâneo. O mesmo não aconteceria se o romance continuasse a ser publicado como um grande colosso, sem chamamento algum, apenas autor e título.
Na edição portuguesa, a obra recebeu antes um tratamento distinto. O livro em questão foi adaptado para, o que me pareceu, um determinado público. Uma imagem cobre a totalidade da capa. Optaram por um retrato de uma jovem, que podia perfeitamente estar num cartaz de uma qualquer adaptação cinematográfica, ou talvez até numa capa de revista. Falta ainda mencionar a opção tipográfica do livro. Esta edição conta com uma fonte consideravelmente grande e em negrito, como se a obra precisasse de se destacar enquanto obra literária numa livraria. Editado pela Relógio d’Água, quer parecer-me, que o público-alvo desta edição é possivelmente um público feminino, jovem e quiçá romântico. A editora portuguesa parece ter adaptado o romance ao que acreditou ser o seu público-alvo. Considero que o romance poderia ter recebido uma capa um quanto mais abrangente em termos gráficos. Duvido seriamente que um leitor que não pertença ou se reveja nas categorias supramencionadas (i.e. feminilidade, juventude ou romantismo adolescente como características a título de exemplo), possa sentir-se interessado pela obra olhando apenas para a capa numa estante.
A importância de expor um livro a um público heterogéneo parte também pela maneira como este comunica ao ser observado. É necessário apelar a vários olhos, até porque no que diz respeito ao recetor, é crucial ter em conta a multiplicidade de leitores num mundo cada vez mais hiperconectado. Classe social, género, racialidade, sexualidade são apenas alguns dos aspetos que podem ser considerados aquando das decisões editoriais. Como é que um livro pode vender e agradar múltipla(o)s senhoras(es), se este é concebido apenas com um modelo em mente? Por fim, quero deixar-vos uma imagem de cada edição para que possam também observar os livros em questão.
Creio que este verbete propõe uma leitura sobre as lógicas presentes da teoria da comunicação, assim como dos dispositivos na teoria da edição. Vejamos o seguinte esquema: E > M (C/CC) > R (R)
E.g. Editora (Emissor) > Livro (Mensagem) Idioma/Formato (Código/Canal de Comunicação) > Cultura/País (Referente).
Ora, traduzindo a anterior esquematização, o emissor transmite a mensagem ao recetor. A mensagem é produzida em código (a maneira pela qual a mensagem se organiza) e num canal de comunicação (meio físico ou virtual, onde se assegura a circulação da mensagem). Existe ainda um referente, isto é, o contexto ou situação aos quais a mensagem se refere. Em baixo encontrarão também hiperligações para as obras e para um interessante vídeo sobre o design gráfico de capas publicado pela Penguin Random House UK.
Palavras-chave: Design Gráfico, Literatura Inglesa, Teoria da Comunicação, Teoria da Edição.
Miguel A. Baptista
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