terça-feira, 3 de novembro de 2020

Uma Viagem à Feira Gráfica de Lisboa / 5 Melhores Capas

Miguel Francisco

Uma Viagem à Feira Gráfica de Lisboa





No passado dia 11 de Outubro, aceitei o desafio deixado em aula pelo professor Rui Zink e fui pela primeira vez no curso da minha vida a uma Feira Gráfica. A feira que me refiro realiza-se anualmente em Lisboa, tendo este ano sido escolhido o Pavilhão Branco das Galerias Municipais de Lisboa, nos jardins do Palácio Pimenta, no Campo Grande, como ponto de encontro para exposição das edições de dezenas de editoras a trabalhar em Portugal. O local situava-se a apenas uns metros da estação de metro, portanto fui a pé.


 



Em direção ao Pavilhão Branco, entrando pela porta principal do museu, segui sempre em frente e virei à esquerda antes de chegar aos bustes que figuram personagens da mitologia grega, passando por um bonito jardim em homenagem à obra de Bordalo Pinheiro, projeto desenhado por Joana Vasconcelos, onde vemos protagonizarem-se pequenas criaturas da natureza em ponto grande e com cores vivas, fazendo parecer que abelhas estão a polinizar por entre as sebes recortadas à sua altura ou que cogumelos gigantes estão realmente a alcançar-nos os joelhos.











A paragem seguinte foi, então, a Feira. O tema neste ano atípico era "Continuar a Publicar", cuja ideia infeliz (e não infeliz ideia) adveio dos tempos correntes de pandemia, das dificuldades acrescidas que obrigaram editoras, microeditoras e designers independentes a readaptarem-se a uma nova realidade. Espelhando este cenário, o número de trabalhos expostos ao público viu-se escasso. Pude visitar todos os cantos da exposição e ainda pude contribuir. Como muito poucos, trouxe para casa um livro de poesia com o título "Um fio pela noite" de Diniz Conefrey. "Como muito poucos" não só porque um português não se interessa particularmente por poesia, quanto mais atrever-se a comprá-la, mas também porque esta edição foi cingida a unicamente 100 tiragens. As imagens presentes neste trabalho são da autoria do autor do texto e estavam penduradas na parede atrás do expositor onde pousava o livro. Entre serigrafias a preço de ouro e uma raridade como esta que pode bem valer ouro, não pode ter sido uma escolha de todo irrefletida, se tivesse de explicar ao leitor que não lhe preze a poesia.


5 Melhores Capas 



É com este livro na memória que faço uma ponte para as 5 melhores capas que, para mim, perante as suas características externas: aspeto, esteticismo, cor, forma, apresentação, etc. ainda retêm a minha atenção quando vasculho livros na minha estante. Exercício este que terá exclusivamente como base de fundamentação a minha opinião e suporte do meu gosto pessoal:


Um fio pela noite - Diniz Conefrey (editora: Companhia das Ilhas)





Tal como acima mencionado, esta capa tinha as suas imagens afixadas na parede de trás do expositor onde pousava o livro, dentro da Feira Gráfica. Pessoalmente, gosto de ver desenhos ou figuras com formas abstratas a ilustrarem capas de livros. Sobretudo, se forem de poesia. Do meu ponto de vista, sugerem ao leitor um espaço de leitura subjetiva e individual necessário para este género literário, como serve de exemplo esta capa e este livro. Importa realçar que, nesta primeira edição, Conefrey não foi apenas autor do texto, foi também autor das imagens que vemos na capa, contracapa e ao longo das páginas, e que a editora açoriana usou para compor o livro.


Os rapazes de Nickel - Colson Whitehead (editora: Alfaguara)





Há algo de estruturalmente errado com esta capa, e talvez seja um bom ponto de partida para a leitura de um livro cujo principal assunto é o racismo. Baseado em factos reais, dois jovens amigos enfrentam uma construção maior e mais antiga do que as suas próprias vidas: a segregação racial nos Estados Unidos da América. A capa em si pode representar o olhar sobre esses dois amigos, que caminham juntos para fora das margens da capa, como que a deixarem para trás o mesmo testumunho - memórias de um passado opressivo que os uniu para contarem esta história de injustiça social (neste sentido, também podemos observar na capa que os dois corpos formam uma só sombra). Para quem, como eu, ainda não leu este livro, esta capa é o exemplo para outras que pretendam deixar pistas para descodificação da narrativa por parte do leitor.


Whatchmen - Alan Moore (editora: DC COMICS)





As capas das bandas desenhadas em particular chamam bastante a atenção do leitor. A mim o que me faz gostar desta capa em especial é o fantástico trabalho do (génio) Dave Gibbons no design de toda a obra e o de John Higgins na coloração - ambos que já tinham trabalhado em conjunto para a capa da coleção Dr. Who. O contraste entre o preto e o amarelo é uma combinação, a meu ver, canonizada e resulta sempre muito bem para ganhar destaque, o que faz com que na prática a lombada sobressaia em qualquer estante ao lado de outros livros. Sobre esta BD, Dave explica ainda que "the cover of a comic is typically a tight litlle promise of pleasure, crafted to lure the eye, excite the curiosity and, that done, hook the reader into buying". Promessa essa que é cumprida no interior do livro.


It's not how good you are, it's how good you want to be - Paul Arden (editora: Phaidon)





Este livro leva-me a dizer que podia ser apenas e só a capa. Deste modo, economizava o tempo de vida do leitor e concentraria a sua atenção para o que há logo de melhor nesta edição: a criatividade e imaginação na configuração de mensagens sugestivas. Ressalvo também o trabalho de paginação por esta ser bastante criativa e "fora da caixa", tendo em conta que se trata de um livro vocacionado para a área de marketing e publicidade. Ao longo das páginas do livro nada de relevante é acrescentado à ideia patente no título, fazendo crer que a capa é simultaneamente título e síntese. Neste sentido, até penso que seja um trabalho de excelência. Contudo, o pormenor criativo de haver um primeiro «good» colorido a prateado e um segundo colorido a dourado revela quase tudo sobre um livro de dicas para o sucesso no mundo do marketing e da publicidade. A título de exemplo, pode ler-se na página 96 a frase escrita na capa, mas por outras palavras: "Begin thinking and behaving like a winner", ideia repetida pelo livro fora. A meu ver, perde-se o poder do glimpse defendido por Dave Gibbons, "Such is the power of glimpse, the magpie lure of a promising hint", mas ganha-se tempo para fazer outra coisa qualquer.


Men Whitout Women - Haruki Murakami (editora: Harvill Secker)






A minha última escolha recai sobre esta capa que se distingue pelo seu padrão; assemelha-se a chuva a cair, com gotas mais dispersas em cima que vão ficando mais concentradas à medida que direcionamos o nosso olhar para a parte debaixo da capa. Não gosto unicamente do design da capa em si; gosto ainda mais da sua apresentação. A capa, nesta presente edição da Harvill Secker, é descartável. O que se vê por fora consiste num papel recortado com as mesmas dimensões da capa, lombada e contracapa, e, estando a cobri-las apenas pelas dobras do papel, é possível tirá-lo e voltá-lo a pôr. Em teoria, a capa passa a ter um caráter facultativo. Na prática, posso escolher cansar-me da capa, despi-la do livro e fazer com que se torne numa espécie de livro vintage de capa dura e de cor preta, mais discreto e simplista. É versátil e, na verdade, adapta-se facilmente a qualquer gosto.


Bibliografia:

MOORE, Alan & GIBBONS, Dave. Whatchmen. DC COMICS. 2014.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Guia de sinais de revisão

Mesmo com o semestre já findado, deixo aqui  este guia bastante completo dos sinais usados na revisão de texto. O  site  Revisão para quê t...