domingo, 13 de dezembro de 2020

Sugestão literária (natalícia também)

Hugo Alexandre Martins


Porque considero a leitura uma necessidade quase orgânica, gostaria de lançar um repto aos meus colegas para, nesta quadra que se avizinha, comprarem o livro Apneia, já aqui mencionado.

Tendo como protagonistas pai, mãe e filho – tríade, por vezes, tóxica –, trata-se de uma narrativa densa, salpicada de interessantes pormenores.

De entre os muitos e diferentes assuntos abordados ao longo de quase 700 páginas, todos eles de palpitante atualidade, entendo ser de realçar: a violência psicológica e as inúmeras consequências daí decorrentes, como o ónus da culpa; o drama da alienação parental; a sempiterna ineficácia desses monstruosos e gigantescos labirintos que são, enfim, os corredores da justiça, onde processos que requerem ação imediata se arrastam e delongam por tempo indeterminado; um certo laxismo penal que teima em persistir; o imenso desgaste que um divórcio litigioso, qual carnificina, frequentemente acarreta; e, não menos interpelante, a violência infantil no seio familiar.

A forma clínica e desassombrada como Tânia Ganho, ao mesmo tempo que retrata aspetos comezinhos do dia-a-dia, disseca e explora, com admirável destreza, lucidez e propriedade, assuntos que sabemos delicados é, sendo eufemístico em extremo, de cortar a respiração, de tal forma que me vi obrigado, na tentativa de recuperar o fôlego perdido, a suspender, durante breves segundos, a leitura.

Apneia retrata fielmente o dia-a-dia de milhares de famílias estilhaçadas, onde não apenas a mulher é vítima (também as há do sexo masculino), como as crianças, uma vez nas malhas da justiça, autênticas marionetas, “Adriana via Edoardo saltar de uma casa para a outra, levando discursos de ódio do pai para o apartamento da mãe e informações sobre a vida privada da mãe para a vivenda do pai, e perguntava-se quantos adultos suportariam viver assim, num vaivém constante, num leva e traz, uma semana num bairro, uma semana noutro, fazendo de intermediário entre duas pessoas incapazes de se respeitarem.” (p. 204). Mais do que uma criança, uma bola de pingue-pongue.

Como refazer a vida depois de um casamento fracassado? Quais as batalhas que uma mãe diligente e protetora está disposta a travar? Quais os limites de uma mente ensandecida, obcecada e viciosa? Como lidar com um pai que planta no seu filho, sem pejo nem pudor, as sementes do ódio e da intolerância? Eis algumas das questões com as quais, capítulo após capítulo, o leitor se vê confrontado.

Uma obra que prima pelo conteúdo, bem assim como pela forma. Tudo nela flui naturalmente, como se de um longo poema se tratasse. Puro mel literário. 

E se os licores aquecem os humores – expressão de Charles Dickens –, então Apneia, além de um livro escorreito, é também uma ótima bebida, daquelas a que ninguém resiste incólume.

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