segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Vale tudo, vale tudo, mas... vale mesmo tudo?

Miguel Francisco



Colo aqui com uma lambidela na parte de trás do post, como aquelas que se dão para colar o selo de uma carta, a pergunta que me persegue a cada palavra que se segue: mas vale tudo?

Vale tudo?

Coloco aqui em causa para o meu verbete uma das mais recentes edições do romance distópico de George Orwell 1984 pela editora Clube do Autor, publicado em março deste ano, e que não deve passar despercebida, sendo a Antígona a detentora dos direitos de publicação do livro.  

Não só é de reprovar a atitude, talvez equivalente à cadeia de fast-food Burger King decidir começar a vender os mesmos hambúrgers, com os mesmos ingredientes que a McDonnalds, apenas mudando cautelosamente o revestimento do hambúrger e o marketing do mesmo; como também podemos questionar-nos acerca do empratamento feito pelo Clube do Autor.

Nesta edição do Clube do Autor, a editora fez questão de incluir um prefácio de José Rodrigues dos Santos, figura bem conhecida dos portugueses.

"Ao prefaciar este romance de Orwell, José Rodrigues dos Santos esqueceu-se de que o autor escreve sempre contra um certo mundo, com vista a uma inversão radical da sociedade mercantilista", escreve o editor da Antígona

É realmente de lamentar a comercialização do livro sem qualquer escrutínio por parte do Clube do Autor. Mas será que...

Vale tudo?

Se lermos o livro de Orwell, podemos refletir sobre uma crítica bastante construtiva ao stalinismo e à forma elíptica da ideologia capitalista. Vemos o poder da opulência a ser exercido sobre as massas e ouvimos dizer-lhes que é para o bem delas. Quando, na realidade, sabemos que é para o próprio bem. Fora do livro, vemos declarar-se o matrimónio entre o capitalismo e a manipulação com a presunção do todo como um produto que tem escopo comercial. Quem compra cala e consente. E quem sente, sente a injustiça.  

Não é de espantar, portanto, a providência cautelar imposta pela Antígona e muito menos a consequente retirada da edição do Clube do Autor do mercado, esclarecendo ainda que tudo não tinha passado de um "equívoco". 

Mas como é possível haver equívocos tão bem engendrados?

Vale mesmo tudo?


Referências:

Orwell, George. 1984. Antígona. Lisboa. 2015.

https://www.publico.pt/2020/04/06/culturaipsilon/noticia/-edicao-1984-clube-autor-ja-retirada-livrarias-online-1911200

https://antigona.pt/blogs/noticias/comunicado-do-editor

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