Um cadáver olha um milheiral sofrido
repleto de podre
por um brilhante inferno atingido
que deixou o fazendeiro pobre
este corpo pelo inverno batido
A forma apodrece sem dó nem divindade
vai perdendo o sentido
já perdeu a rima e há de morrer
a estrutura como já se acabou a pontuação
Será prosa sem razão Não que é
poesia porque é estúpida
Vale a pena outra estrofe?
Por mais que a ordem volte, o
espetro niilista da sua falta
impera sobre o medo e dá à
regra mais vontade de destruir-se…
A uma nova linguagem!
É para os parvos o futuro!
1, 2, 3… Números e sinais
em decadência da poesia… Beberam
da pólvora e encharcaram a
literatura com a sua falta de bom senso,
mas destruíram – oh, que finalmente
os destruíram – os fantasmas do passado…
A cheia continuou, mas sem
espírito… PUM! TAZZ! CATRAPUM!
PÓLVORA E GRITOS SANGUE E GUERRA SLOGANS EXPLOSÃO POESIA SEM ORDEM NEM PIEDADE PIADAS DOS PARVOS GRITOS GRITOS GRITOS MORTE GUERRA PUM PUM PUM MÚSICA DAS TRINCHEIRAS RELINCHAR DAS ARMAS MILHEIRAL EXTINTO CORPO LONGE DA MEMÓRIA
vira-te para a calma
e tira os gritos às palavras do início
pois que nunca ouviste um início
sempre foste, a alma
à beira do precipício
a rima regressa nas diretrizes
um guerreiro que lambe as cicatrizes
os fantasmas porém não voltarão
arrumados na campa da pontuação
Apodrece o verso. Justificado, o texto formaliza-se, veste um fato e vai fumar para as ruas de Paris (fica-se mais específico, porque assim se contam estas histórias). A prosa encandeia-se de propósito quando põe os olhos bravos numa mulher que a resista, ou quando mata de uma assentada, e por dinheiro, ganho ou vontade, outro qualquer ser humano que não tinha razão de morrer que não fosse a narrativa. A narrativa, nascida da poesia mais bela e antiga (os Cantos da beleza e astúcia dos heróis) é a meretriz sacrificada da poesia à prosa… Os poemas épicos deram ares a filas e filas e mais filas de letras que cansam os olhos e dão às mãos de quem escreve um medo da mortalidade… A poesia morre: já não querem saber dela se não se apresentar nua e vendida a sentimentalismos, ora do pessoal e macabro – o profundo e íntimo testemunho de uma alma – ora do crítico – o repetido e excessivo grito de protesto que nada acrescenta e que só faz barulho dos túneis do tempo, porque ecoa corajosamente o que já foi antes e melhor gritado. Mas ah, que querer voltar a fazer poesia – querer erguer catedrais onde já não se reza ou se apreciam História ou cultura – é o pecado natural dos que se ainda rebelam nos versos!
Arre, que volte!
Que a poesia se solte!
Que o verso de novo se revolte!
Sem razão e barato,
imortal devaneio caricato!
Ergue o estandarte
desse teu inferno!
Levanta a arte
e faz-te de novo eterno!
Oh, verso amado
choram-se rios e mares
por ouvir os teus cantares…
Irra de não teres voltado!
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