quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

1. Se Num Metro Um Escritor Viajante

 A ideia de um pouco eloquente discurso com pretensões poéticas sobre algo que desconheço veio-me de dois distintos destinos:  um que me colocou nas brumosas águas da Edição de Texto e um outro, uma Moira pós-modernista, oráculo que me indicou no sentido de Se Numa Noite de Inverno Um Viajante de Italo Calvino.

Tal como o leitor de Calvino tenta começar a ler nos transportes públicos, começa numa carruagem do metro este pequeno verbete que ainda sofreu edição antes de ser enviado para o blog. O que aqui vos apresento é, então, uma breve palavra sobre a atual posição do autor e do editor à luz de uma parte minúscula de Se Numa Noite de Inverno Um Viajante.

A introdução do atarefado doutor Cavedagna dá ao leitor - tanto personagem como empírico – uma martelada de realidade que desfaz a figura fantástica do mestre editorial e do glorioso sucesso de qualquer um que, procurando escrever um grande romance ou uma grande poesia, neste mundo se aventure. Em vez de encontrar-se o império dos inspirados poetas e dos individuais novelistas e romancistas que, tocados pelo seu génio, qual martelo, vão esculpindo a literatura, diz Calvino, o que deles resta é uma esperança vã de uma qualquer Índia, substituída pelas armadas dos grupos de pesquisa e de leitura.

Aqui, como na restante obra, Calvino aproveita-se violentamente das expectativas de todo o mundo literário para as distorcer. Neste caso “já não são os indivíduos isolados”[1] como seria de esperar de um antigo mito de individualidade. Este mito demorou tempo bebendo as últimas gotas do vinho do Romantismo, apesar da distância que criou Cronos entre este e o Pós-modernismo. Acabou, contudo, por morrer nas editoras como esta, que, descansando nas costas de Cavedagna, vai massacrando o cadáver de Percy Shelley. Com que fica, então, o autor individual, iluminado ilustrador dos tempos? Como o ‘leitor’ do romance, apaixonando Cavedegna com as memórias de quando se liam e escreviam livros.



[1] Calvino, Se numa Noite de Inverno Um Viajante, p.120


Francisco Lourenço



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