A ideia de um pouco eloquente discurso com pretensões poéticas sobre algo que desconheço veio-me de dois distintos destinos: um que me colocou nas brumosas águas da Edição de Texto e um outro, uma Moira pós-modernista, oráculo que me indicou no sentido de Se Numa Noite de Inverno Um Viajante de Italo Calvino.
Tal como o leitor de Calvino tenta
começar a ler nos transportes públicos, começa numa carruagem do metro este
pequeno verbete que ainda sofreu edição antes de ser enviado para o blog.
O que aqui vos apresento é, então, uma breve palavra sobre a atual posição do
autor e do editor à luz de uma parte minúscula de Se Numa Noite de Inverno
Um Viajante.
A introdução do atarefado doutor
Cavedagna dá ao leitor - tanto personagem como empírico – uma martelada de
realidade que desfaz a figura fantástica do mestre editorial e do glorioso
sucesso de qualquer um que, procurando escrever um grande romance ou uma grande
poesia, neste mundo se aventure. Em vez de encontrar-se o império dos
inspirados poetas e dos individuais novelistas e romancistas que, tocados pelo
seu génio, qual martelo, vão esculpindo a literatura, diz Calvino, o que deles
resta é uma esperança vã de uma qualquer Índia, substituída pelas armadas dos
grupos de pesquisa e de leitura.
Aqui, como na restante obra, Calvino
aproveita-se violentamente das expectativas de todo o mundo literário para as
distorcer. Neste caso “já não são os indivíduos isolados”[1]
como seria de esperar de um antigo mito de individualidade. Este mito demorou
tempo bebendo as últimas gotas do vinho do Romantismo, apesar da distância que
criou Cronos entre este e o Pós-modernismo. Acabou, contudo, por morrer nas
editoras como esta, que, descansando nas costas de Cavedagna, vai massacrando o
cadáver de Percy Shelley. Com que fica, então, o autor individual, iluminado
ilustrador dos tempos? Como o ‘leitor’ do romance, apaixonando Cavedegna com as
memórias de quando se liam e escreviam livros.
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