sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Sala 43 - sumário da aula de 3/12 (maizoumenos)

 1. Tudo começou com um equívoco 

Ou um erro. Alguém marcou para a nossa sala um teste. Quem cometeu o erro? Os serviços, provavelmente. Mas os serviços têm as costas largas. A verdade é que (disse-o há quatro aulas, salvo erro) não importa quem comete o erro. Disse mais: numa empresa saudável todos erram, mas todos merecem confiança porque a maior parte do tempo são competentes. Numa empresa saudável ninguém tem medo de errar. 

E, implícito, ninguém tem receio de assumir a responsabilidade pelo erro. 

Infantilidade: exigir muito dos outros, achar que nós temos sempre desculpa. Eu sei que sou um bocadito assim - na verdade, somos todos um bocadito assim. Não tem mal. Só tem al quando nós somos muito assim: quando nos habituamos a fugir à responsabilidade e somos ágeis a culpar os outros. 

A coisa foi resolvida. A sala era nossa, o erro era alheio, mas um teste trumps that. Um teste é um teste. Por outro lado, o mestrado tem poucas aulas, ou seja, cada uma é preciosa (em teoria). 

E, em teoria, é bom sermos flexíveis. Eu podia ter sido mais flexível. A outra parte também podia ter dito logo que a sala era anormalmente ampla, 43 lugares - ou seja, nós cabíamos. E eu também podia ter feito logo a pergunta: quantos lugares tem a vossa sala original? 

Em nossa defesa (dos professores): estávamos com a cabeça noutro lado. E, quando uma pessoa está tensa ou preocupada, pensa pior. Muitas vezes, a solução é simples, só que não a vemos. Outras vezes, criamos soluções que são piores que os problemas - e viram os verdadeiros problemas. 

Em how Real is Real? (1976) Watzlawick dá um exemplo muito engraçado de quando a solução vira o problema: os EUA tinham um problema de alcoolismo. Criaram a probição. Resultado: além do alcoolismo, que não foi eliminado, passaram a ter um problema de banditismo, de saúde pública (o álcool clandestino era de pior qualidade)

Mas eu - e digo eu porque há aqui um eu - poderia ter sido mais flexível. Geralmente sou-o. Mas houve alguns incidentes antes que me estreitaram o foco: a fechadura do meu gabinete mudou, estava focado na aula, etc. 

Moral: nós nem sempre estamos em forma. Não tem mal. Mas convém estarmos atentos a isso. 

Quando nos perguntam se conseguimos traduzir 400 páginas em dois meses é isso que fazemos: ponderamos as condições e assuminos ou não a responsabilidade. 

Sermos fluidos, disponíveis, abertos é o ideal. 

A aula ia numa direcção, acabou por ir noutra. Na volta, a mudança de sala até melhorou. Mas esqueci que tinha levado no bolso uns livros miniatura para nos mostrar a variedade desta forma incrível de transportar ideias, emoções, desenhos.  


2. Booktrailers

2.1. Uma boa regra do marketing 

Vale a pena usar as redes sociais? «Tudo vale a pena/se a alma não é pequena», para citar Pessoa. As redes sociais permitem hoje fazer comunicação e marketing de forma rápida, barata, acessível. Não admira que tenham sido as pequenas editoras a, pelo menos em Portugal, chegarem primeiro à Internet. Era uma forma de contornar os preços das publicidades convencionais, cartazes, rádios, TV. 

2.2. já na aula, o meu momento Vence

Esta semana um comentador na Sic manifestou a sua admiração pela lucidez de Eduardo Lourenço intuir que iria expirar em 2020: "Assinava os artigos com Vence em 2020!» Na verdade, Vence é a terra no sul de França onde morou quase meio século, com a esposa. 

Pois bem, a minha segunda prova de falta de golpe de rins - o golpe de rins, a capacidade quase taoista de sermos fluídos, flexíveis, disponíveis. E depois a minha tentativa tragicómica de explicar o booktrailer de Valter Hugo Mãe... Meu Deus, só espero que não estivesse ninguém a ver. Ainda bem que não era dele. My bad. Mas era um booktrailer: uma bonita homenagem de uma turma do 8º ano. 

Moral: não vale a pena chover no molhado. Metemos água? Acontece. Fomos ridículos? Também acontece. 

Ainda Pessoa, agora na pessoa de Álvaro de Campos: «Todas as cartas de amor são ridículas»... Mas mais ridículo é quem não as escreve. Ou, como dizia a minha mãe: «Quem não faz nada não parte nada». O que nos entala é ficarmos paralisados quando uma coisa corre mal. Memória da aula 2: numa empresa saudável, aceitamos as responsabilidades, não passamos culpas. Passar culpas é infantil, reconhecer responsabilidades é adulto. Infelizmente, muitos adultos portam-se como crianças. (Aqui, no parlamento, um deputado rival com gosto pela demagogia clamaria angustiado: «O que tem o senhor contra as crianças?!») 

2.3. Conhecem o ditado «O importante é que falem do meu trabalho, nem que seja para dizer mal»? Pois Salvador Dali melhorou-o: «O importante é que falem do meu trabalho, nem que seja para dizer bem».   

2.4. O booktrailer de Gonçalo M. Tavares: fiel q.b. ao livro e ao autor. E bem feito. Definindo o público-alvo, respeitando a poética do autor. O booktrailer de Mr. Mercedes: um filme super-profissional, caro, só com leitura de um trecho contra uma ilustração visual e sonora do ambiente do livro. Mas se lermos um texto ao telemóvel e o postarmos no Youtube, Instagram, Facebook etc., também é um booktrailer. Pode ser feito em dois minutos e ter zero investimento, pode levar semanas e implicar uma produção dispendiosa. 

Moral: se pudermos, gastamos dinheiro. Mas hoje é possível publicitar gastando pouco. 

3. Follow up 

É dar seguimento mas é um pouco mais: é assegurar que a comunicação continua estabelecida. Quando o império espanho, esta va entrando em decadência, foi inventada a fórmula que explica muita coisa: «Se obedece, pero no se cumple.»

Há técnicas várias para insistir sem parecermos insistentes. Como em tudo, temos de encontrar a fórmula que melhor se adequa a quem somos. 

E há, até quando criticamos alguém, a famosa sandes de ***. «Saiba que tenho imenso respeito por si e sempre o eachei supercompetente. Mas aqui fez uma burrice de todo o tamanho! E digo-o, porque tenho estima por si.» Etc. 

4. Os casos Byblos e Babel.

História do banqueiro que virou dirigente da APEL e ia publicar «toda a Senhora Dona Agustina». 

História do excelente editor/dono (Areal/Asa) que decidiu ir para um terreno que não conhecia.    

Moral: ter lido Sun Tzu ajudaria. Conhece o terreno e tens meia batalha ganha.conhece-te a ti próprio e é impossível perderes. 

5. Anedota do coelho na cartola

Três foram à entrevista, mas quem ficou com o lugar foi um quarto, que não foi à entrevista. Ainda tende, infelizmente, a ser assim. O que posso dizer? Campo com tendência para a endogamia, o da cultura... Reconhecê-lo ajuda-nos alidar melhor com isso. 

6. Percepção

John Keegan escreveu uma dúzia de livros sobre a guerra. A noção de que a guerra começa logo na decisão de quando e como começa e fecha é prima da fórmula de Max Weber: «O Estado reclama-se o monopólio da autoridade legítima». Lembra também outra asserção: «A História é escrita pelos vencedores». No caso da guerra do Iraque de 2003 (com Saddam a fazer boneco vudu de Bin Laden), aconteceu um conflito entre duas perspetivas: e o conflito continuou até na definição de quando começava e quando acabava - bem como em que terreno e com que armas e regras se cumpria... Aqui o trecho de um livro de 2004:   



7. O contrato 

7.1. do desenhador

O mundo do livro era, em teoria, um mundo àparte da velocidade e superficialidade de outros mercados em torno da 'cultura'. Não mais. 

Mathew McConaughey publica um livro. Um crítico chama-lhe um «homem da Renascença». 

Os editores que têm mais pressão em atingir objetivos de faturação cada vez mais buscam esses Renaissance Men & Women

 

7.2. Marca quem comarca

A lenda de Alberto João: instaurava processos no tribunal do Funchal e obrigava jornalista e jornal (e muitas vezes o diretor era também réu) a perderem tempo e dinheiro em deslocações de avião. A certa altura, cansava. 

Exemplo: se o Manuel Afonso vive em Tóquio e o contrato que ele e o Filipe assinaram implica que, em caso de conflito, a disputa será num tribunal de Tóquio, tem logo vantagem. 

Moral: Mas o ideal é evitar ao máximo o conflito. Em Portugal, é moroso e desencorajado. 

8. Lições de Scarface

81. O caso dos dois tradutores

O rico e o pobre. Um traduziu do romeno para o russo e vice-versa. Dezenas de obras-primas. Um, da Universidade do Texas, traduziu uma poeta contemporânea, LilianaUrsu - o pobre tradutor para russo ficou com o prémio menor. 

O jovem tradutor americano tinha levado a poeta romena para a língua divina. Tal como Richard Zenith «criou» Pessoa, ao traduzi-lo para inglês e o levar ao New York Times Review of Books. Ou agora finalmente nos EUA descobriram que Clarice Lispector «é talvez melhor que Borges» [sic]. Ou Elena Ferrante, cuja glória é distribuída a partir do sucesso em inglês. 

8.2. Bibliodiversidade 

A ideia do livro é diversidade. Era. Na verdade, talvez tenha sido sempre - como tudo na vida - poder.

E isto contamina, prejudica as culturas locais. Torna-as negocialmente inferiores. Como quando no aeroporto, alugando o carro, por falar a língua mas não tão bem como devia (era estrangeiro>) de turista (superior, chique a valer) fui despromovido a imigrante (inferior, brega). E aí lembrei Sun Tzu: ter um conflito num terreno onde o outro domina é uma asneira.  

Isto afeta inclusivamente a produção. Empobrece o uso da língua. Um dia acabará tudo a escrever para facilitar a vida à tradução.

É mau quando os jovens autores escrevem na língua de origem sonhando ser traduzidos. Acabam por escrever, não para os leitores, mas para facilitarem a vida aos tradutores.    [rasurei porque repete a ideia do parágrafo anterior, sem acrescentar muito.]

Moral: chegaremos ao dia em que um livro só é livro quando é traduzido para inglês? 

O poder americano. Incontornável, com mérito, mas ajuda compreender que não é pela graça e obra do Espírito Santo. É circunstância geopolítica. 

9. Episódios à margem

9.1. Da Olá à Caras. Da suposta aristocracia (mal impressa e mal fotografada no suplemento Olá do Semanário) à democratização bem impressa da Caras

9.2. O caso do jovem escritor                                                                                                                 que fazia um trabalho sério numa revista de fofoca (pensando erradamente que o divertimento não pode ser útil à sociedade) e se tornou o enésimo artista torturado da praça literária, escrevendo romances que, esses sim, eram redundantes. 

9.3. «A tese é como o porco, não se deita nada fora», disse Umberto Eco, em Como fazer uma Tese (1977). Uma aula é igual. Mesmo o acessório pode, em certo momento, virar essencial. 

[continua]

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