domingo, 6 de dezembro de 2020

10. O que quero ler/editar? (10.1. Artesanato ou indústria?)

 

A última aula foi não só um belo exercício sobre a topografia do mundo editorial, ou melhor, uma revisão de alguns dos assuntos vários que foram tratados ao longo do semestre, como ainda um terreno muito fértil para a discussão que neste caso incidiu também sobre as noções de camp1 e kitsch, conceitos que podem interpretar a edição como um verbo, isto é, enquanto ação. O professor teve tempo para lembrar-nos do nome de Susan Sontag, autora que publicou um ensaio que, apesar de ainda não o ter lido (no fim deste verbete terão acesso ao texto por hiperligação), bastou-me uma curta pesquisa pela internet para decifrar algumas das ideias centrais, uma das maravilhas do hipertexto, podendo saltar continuamente de texto em texto, sempre à procura das palavras.  Associado ou lido frequentemente em círculos académicos desde a sua publicação em 1964, Notes on Camp, é essencialmente um ensaio sobre a estética e o(s) significado(s) do camp. Encontrarão abaixo uma citação da autora que explica o que se quer dizer quando se fala em camp.


“Indeed the essence of Camp is its love of the unnatural: of artifice and exaggeration. And Camp is esoteric – something of a private code, a badge of identity even, among small urban cliques.” Susan Sontag, 1964.



(Divine, Pink Flamingos, 1972)


Tanto o artesanato como a indústria funcionam enquanto espaços de construção editorial. Editoras, gráficas, livrarias, oficinas, estão todas sujeitas a uma existência polimorfa. Se um artesão manufatura um caderno de oito folhas ou um trabalhador produz uma tiragem de cem exemplares, é porque as dimensões dos seus ofícios assim lhes permitem . Todavia, a feitura também é identitária. Editar ou fabricar um corpo, do mesmo modo que um livro aquando da sua publicação, através da sua imagem é uma forma de parodiar o absurdo da vida e da sociedade contemporânea. A estética camp propõe esticar as noções que comummente são partilhadas pela sociedade sobre o que é um homem ou uma mulher, até que estas se rompam, para além da dualidade masculino-feminino. É precisamente através desta perspetiva que o drag (ou transformismo, na falta de um melhor equivalente na língua portuguesa), está intrinsecamente ligado à estética camp.


Confesso que quis intervir em aula, mas acanhei-me. Frequentemente, sou assaltado pela falsa dicotomia emoção/razão. Uma das características que diferenciam a palavra escrita da palavra falada, ou seja, a escrita da oralidade, é o tempo para a organização das ideias. Cognitivamente, quer parecer-me que a escrita disponibiliza um tempo a que não temos acesso quando precisamos de comunicar oralmente. Tendo então arrumado as ideias, consigo agora expor um ponto de vista, que, por vezes, é mais difícil para alguns falantes, seja em que língua for.


Sobre o kitsch. Bem, sobre este termo devo dizer que sei pouco, muito pouco mesmo. Procuro frequentemente o conforto dos dicionários quando desconheço uma coisa. Neste caso, o dicionário da Porto Editora diz algo como uma possível manifestação artística que trata estereótipos sentimentalistas, melodramáticos ou sensacionalistas. Acham que o Menino da Lágrima é uma pintura kitsch? Eu não sei, mas o meu padrasto tinha um em sua casa.


Miguel A. Baptista



Camp: Notes on Fashion - YouTube 

RuPaul Charles: Who Was 'Pure Camp' At Met Gala? - YouTube 

“O Menino da Lágrima”, o quadro que assombrou mil infâncias e casas portuguesas | Objectos (quase) obsoletos | PÚBLICO (publico.pt) 


1. Sobre a definição de camp, o Oxford Advanced Learner’s Dictionary diz-nos que o termo significa aquele que comporta-se deliberadamente de um modo socialmente entendido como homossexual. Há ainda uma aceção que remete o leitor para o efeminado, no exagero do estilo, especialmente de uma maneira intencionalmente divertida.

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