quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Capas capazes

 


Julia Roveri

Devo dizer que este exercício de procurar capas que me chamassem a atenção em livrarias foi mais surpreendente do que pensei que seria. Como leitora, acredito ter desenvolvido –  como muitos – ao longo dos anos uma espécie de “faro visual” para os tipos de livro de que gosto, mas tentar compreender mais a fundo os motivos desta atração tem sido fascinante. Recordo-me assim de uma das nossas aulas anteriores, em que um dos temas centrais foi o autoconhecimento. Para facilitar a visualização, resolvi juntar todas as capas em uma só imagem, e as agrupei em algumas categorias, que vêm a seguir:


A)      Capas com fotografia: números 1 e 2

Os livros O mais sutil é a queda (1) e Ser quando (2) se utilizam da fotografia nas capas de maneiras diferentes: o número 2 privilegia a fotografia quase em sua totalidade; trata-se de um muro lilás pelo qual algumas plantas sobem. Este é um livro de poesia, portanto creio que a escolha da capa foi acertada por causa de sua simplicidade e beleza.

Já a capa de número 1 conta com uma montagem mais sofisticada: os editores utilizaram a parte superior da capa para destacar o nome da autora e o título do livro. A fotografia em questão é uma sobreposição entre duas imagens: a de cima parece ser uma instalação artística, enquanto a de baixo mostra um casal com roupas de outra época caminhando num jardim. O homem tem seus olhos encobertos pela sobreposição da outra imagem, e a mulher está numa posição curiosa, em meio a algum movimento que não se identifica bem. Para mim, a junção desses três elementos –  título, primeira foto e segunda foto – formam um conjunto interessante a quem o vê pela primeira vez.

 

  B)      Capas gráficas: números 3, 4 e 5

As capas 3 e 5 foram feitas completamente por softwares, ou seja, não contam com o suporte de nenhuma imagem ou desenho como base. O interessante da capa número 3, cujo título é Pré-história, para mim consiste na forma central de um barco a remo: este contém o detalhe de que não se consegue determinar se ele está sendo visto de um ângulo de cima ou de baixo, já que o fundo é azul, cor escolhida precisamente para realçar esse efeito. O nome da autora e o título estão como que flutuando nas águas, e por isso fogem a um padrão mais centralizado de apresentação.

Na capa de número 5, 33 poesias, de Vladimir Maiakóvski, forma-se uma espécie de caixinha ou de monóculo dos anos 60 para a qual todo o foco do leitor se dirige, e na qual vemos o título da obra.

O número 4 também se insere nesta categoria pelo fato de ser uma elaborada colagem com elementos variados: estátuas, folhas soltas, calendários, protestos. A base de sua criação conta com imagens, mas a sua identidade visual consiste muito mais nesta confusão e mistura de gravuras do que no foco em uma só imagem eleita para destaque.

As três capas prezam pela simplicidade e creio que conseguem cumprir seu objetivo de voltar o olhar do leitor para onde se deseja.


C)      Capas de Banda desenhada ou Quadrinhos: números 6 e 7

Creio que não seria exagero afirmar que o critério maior para que uma capa de banda desenhada se destaque é o traço, o estilo do desenhista. Na capa de número 6, os editores optaram por deixar o título e subtítulo no alto da capa, bem legível, e reservar o restante do espaço para o desenho. Acho esta capa particularmente interessante por causa do contraste entre o título (Fun home) e a impressão que a imagem nos dá: o completo oposto de uma casa divertida, a composição monocromática em azul com uma figura de pose austera, lendo solitário cercado de mobília antiga, etc. Ao ler a sinopse da obra, vemos que tudo isso se alinha com a narrativa.

O sétimo livro escolhido, Paper girls, mostra um grupo de meninas de frente, com expressões de desafio. São as protagonistas, e esta abordagem direta resume muito bem a história que está por vir depois da capa. O único tom de azul que as colore contrasta bem com o fundo em dégradé, e este efeito não só destaca bem o livro, que está sempre junto de seus pares extremamente multicores, como também faz sentido em termos de narrativa.

 

      D)     Capas baseadas em quadros, números 8 e 9

As duas capas selecionadas para esta seção seguem a mesma lógica da categoria A (capas com fotografia):  as duas se baseiam em quadros, mas de formas distintas. No número 9, a capa de Ficções é montada a partir de um quadro de Bosch – ótimo diálogo entre artistas, aliás. Mais curioso ainda: o que figura na capa na verdade trata-se de uma parte ínfima de uma obra do pintor holandês, mas que cai como uma luva para a capa desta obra em específico. Na minha opinião, ficou igualmente atraente e interessante.

Na capa de número 8, porém, a composição da capa foi um pouco mais complexa: o capista também optou por utilizar uma parte de um quadro, mas modificou as cores para que estas se encaixassem nos tons do projeto do livro. Apesar dessa grande modificação na imagem, as grandes letras do título têm pouquíssima opacidade, novamente indicando que os editores valorizam o quadro eleito para capa.

 

E)      Capas dentro de uma coleção, número 10

O lado intrigante desta seção é que ela pode abarcar outros dos livros citados acima: nomeadamente, as capas de número 7, 8 e 9, pois todos estes figuram em coleções muito bem pensadas como um todo em termos de diálogo entre capas.

No entanto, para mostrar mais um exemplo, escolhi dois livros da Não edições: Autobiografia do vermelho e A beleza do marido, ambos de Anne Carson. Novamente a escolha de capas simples, dessa vez apenas com duas cores: o fundo branco e o título, nome da autora e imagens, estes últimos todos de somente uma cor – em um dos livros, vermelha, e no outro, roxa. No primeiro, a imagem central deriva de uma fotografia, e o segundo parece ser uma montagem de várias imagens – um rosto, uma bicicleta, um panfleto rasgado. A maior prova de que a ideia de coleção funciona com estas capas é inegável porque é impossível pensar numa sem fazer conexão imediata  com a outra.

 

É certo que não sou designer nem bastiã do bom gosto e também entendo que não sou o público-alvo de diversos gêneros de livros. É claro, portanto, que se uma obra não me atrai pela capa, há chances de que isso aconteça simplesmente porque ela não foi pensada para tal. E com isso vem outra reflexão: em nossa profissão, é provável que nem sempre possamos lançar livros com a capa que preferimos como indivíduos, mas sim observando quais são as capas capazes de mexer com a percepção dos leitores.


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