Exercício 26 - Nelson Manuel Alves e Silva
Título:
O ardor do sol nos meus olhos
Destaque: Os meus olhos depressivos não toleram a bondade do sol, astro-rei
Escrevo estas palavras letra a letra na
escuridão. E porquê? Porque a luz do sol dá-me
enxaquecas. Sempre deu.
Ando eu não
sei quantos meses à espera dessa luz que só começa na Primavera e, quando
chega, como chegou este fim-de-semana, fico tão deslumbrado que me deito a
perder.
Se calhar, abro de mais os olhos e deixo-me
atingir pelo cortante dos raios que me furam a vista – a maldita “aura” que
anuncia cada enxaqueca – e, passado um bocadinho, arrancam do meu olho direito
uma dor debilitante que é como se estivesse a ser apertado num torno.
A única coisa
que posso fazer é deitar-me na escuridão, protegido da luz e do barulho e do
frio, esperando que o sono e os vómitos tenham pena de mim.
É assim desde
os meus 11, 12 anos. Passou da minha mãe para mim e de mim para a minha filha
Sara. Não há nada a fazer.
Mas a cabeça
também não ajuda. Por que é que o ser humano é incapaz de ter uma doença ou uma
dor sem arranjar uma maneira de conseguir sentir-se culpado por ela?
Somos ajudados
pelo nosso pendor para o melodrama. Eu aqui, por exemplo, vejo-me aflito para
não fazer como o frei Hermano e não me entregar todo à ideia que as dores que
me causam a luz do sol são causadas pelo desejo que sinto por ela.
Sou ferido pelo que mais me atrai. É o brilho
que me faz abrir os olhos que os expõe à queimadura fatal da luz.
Raios partam o
talento que temos para transformar qualquer dor em castigo por um prazer
qualquer que conseguimos roubar ao mundo.
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