quinta-feira, 22 de outubro de 2020

A show about nothing

Francisco M Rúbio


Sento-me à frente de um desconhecido que avalia qualquer imperfeição que possa descortinar nos meus gestos. Não sabe o que sou capaz de fazer (nem eu sei muito bem, mas não posso dizê-lo). 

  • Então, é da área de comunicação, não é? 
  • (parece que) Sim.
  • Pois, estamos a precisar de alguém que edite video.
  • …ok.
Três anos depois, desde que aconteceu esta entrevista de emprego, acho que despejei tudo o que tinha acumulado na minha experiência até aí. Sendo especialista em coisa alguma e depois de ideias sugeridas, uns textos propostos e trabalho executado consegui estar a trabalhar no departamento de comunicação e a escrever, como pretendia e não consegui afirmá-lo na altura. Alguém que pode fazer tudo mas não sabe dizer o que faz? Isto deve ser uma profissão, tal como George Constanza afirmava sobre o show about nothing


Então sobre o que é a profissão?


Descubro que as capas coloridas da editora Tinta da China, pelas quais sempre fui seduzido ao longe, mas nunca procurei saber quem as pensava, são afinal pintadas por Vera Tavares. Os ilustradores, fazedores de capas e directores de arte transformam um conjunto de palavras num objecto de arte tangível e o seu nome não é reconhecido pelo grande público (onde me incluo). O seu trabalho, por vezes, sim. Os escritores sim.


Os tradutores e editores também não. Manuel Alberto Valente, Nélson de Matos e José Bento são nomes, até agora, desconhecidos. Nomes que me permitiram viajar pelas linhas de Luís Sepúlveda, Pepetela ou Borges. Todos eles devem ser perigosos anti-niilistas que acreditaram ser possível lançar best-sellers que também fossem bons livros, isto é, uma ideia inteligente aliada a uma fórmula eficaz resultando num livro capaz de alcançar vendas. Lembro-me aqui de outros dois exemplos: Jangada de Pedra, de Saramago e Se numa noite de Inverno um viajante, de Calvino. A escrita destes dois autores, escondida numa falsa simplicidade, nos convence ser possível, deste modo, assistir à dualidade tratada pelo intelectual e linguista americano, Noam Chomsky. Esse jogo que faz dançar competência teórica e performance ao som do mesmo compasso.


Desengane-se o leitor que pensa comprar o livro porque sim. Ele compra porque leu a crítica, viu na revista, encontrou no jornal. Ele compra porque ouviu o amigo, anotou do professor e entrou na teia. Essa teia infinita tecida entre palavras e pessoas que vivem à volta do livro


“A importância de ser reconhecida e divulgada por um jornal como o Público é visível no modo como Campilho se projecta enquanto escritora com uma posição consolidada (mesmo se o seu projecto literário é ainda imaturo): "Agora eu sei que tenho uma profissão muito séria”. 

Não temos todos?




Fontes:

  1. Youtube, Seinfeld - The Nothing Pitch, https://www.youtube.com/watch?v=EQnaRtNMGMI
  2. Bio Vera Tavares, Tinta da China, https://tintadachina.pt/vera-tavares/
  3. Youtube, The Big Lebowski - Parking / Nihilists scene, https://www.youtube.com/watch?v=7AEMiz6rcxc
  4. Sábado, Ensaio de João Pedro George, O Público e a Tinta-da-China, um estudo de caso: A Valsa de Matilde (1ª parte)https://www.sabado.pt/vida/detalhe/o-publico-e-a-tinta-da-china-um-estudo-de-caso-a-valsa-de-matilde-1-parte

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