Julia Roveri
Escrevi o texto abaixo para contracapa de um livro de poesia. Tentei captar os pontos fortes da obra e indicá-los ao leitor e também inseri alguns versos do poeta nos três parágrafos. Sabe-se que escrever é sempre um exercício, mas escrever sobre a obra de outrem vai um passo além, pois exige muita atenção e respeito com o material que se lê. Espero que gostem da minha contribuição para as discussões em sala:
Escrever / Como um modo / De manter a
cordura.
O
cotidiano veloz da cidade passa como um caleidoscópio:
trânsito, cartazes, ruídos, multidões, greves e roubos se confundem e se
embaralham. As numerosas distrações da urbe não impedem, no entanto, que a
cuidadosa vigília poética de A orelha de Holyfield se agigante e
permaneça.
Na
linguagem aparentemente simples e direta de Rafael Gutiérrez, as entrelinhas
pulsam, sugerindo mistérios desde os títulos de cada poema: “Oração ao
impávido colosso”, “Instruções para a indução de um transe particular”, “Thomas
Mann não vê as fotos de suas amigas no facebook” e outros são sínteses do turbilhão
de sensações e referências que nos atravessam. Ainda assim, o autor é capaz de
construir um apocalipse inerte, que passa despercebido pelo horário comercial
do mundo.
No poema-título,
diante da violência expressa na luta de boxe, o autor questiona se “tudo não
passou de uma brincadeira / (um jogo entre meninos grandes)” – este movimento
pendular entre a ferocidade e a vulnerabilidade das nossas lutas diárias é
captado por Gutiérrez com a sensibilidade e a maestria dos grandes poetas, que sabem
extrair a arte até mesmo dos mais inesperados episódios com que nos deparamos
na vida.
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