Manuel Afonso
Como pedido numa das aulas recentes, partilho cinco capas que me chamaram à atenção. As primeiras três vieram-me à mente assim que o exercício foi enunciado, pois tinham-me ficado na memória em visitas feitas a livrarias. As últimas duas foram encontradas no Wook.
Escolhi capas de livros sobre os quais sei pouco ou nada. O critério foi a sua capacidade de me incitar a saber mais sobre os livros, a folheá-los e a querer adquiri-los sem mais. As notas que escrevi procuram expressar a forma como o fizeram.
Apneia
O denso azul desta capa é o de um mar sem fundo? Ou o de uma tranquila piscina? A figura feminina, espelhada na superfície sem ondas, vem à tona relaxada... ou afoga-se? O seu vestido vermelho promete-nos erotismo ou sangue? Ou ambos? É esta apneia a de um mergulho em águas tépidas? Ou é afogamento e sufoco? A imagem é tensa porque sugere estas narrativas opostas. O nome em destaque, da jovem autora, não interfere com este enigma, mas salta à vista. O “N” fora do lugar, faz o resto: somos tentados a mergulhar no livro para responder ao que a capa deixa em aberto.
Porquê Olhar os Animais?
A pergunta do título surpreende. Se a capa nos mostrasse um tigre ou uma serpente, a questão perdia o sentido – o fascínio pelas feras era a resposta evidente. O mesmo seria verdade caso nos mostrasse um cão ou um gato, cuja afinidade que suscitam serviria de resposta. Mas uma zebra é-nos familiar e exótica ao mesmo tempo. Já todos vimos uma, na televisão ou no zoo... mas o que sabemos sobre ela? A pergunta ganha pertinência: porquê olhar para um equídeo listrado? As letras pretas e o fundo branco complementam a fotografia sóbria. É uma capa que faz querer ler este livro em público, numa esplanada ou no metro, e suscitar curiosidade ao nosso redor - elegantes e inusitados como zebras.
A História de Quem vai e de quem Fica
Identificamos rapidamente o estilo da capa – uma fotografia sobre uma cor neutra, sob o título e o nome do autor em letras clássicas, serifadas – com os romances da Relógio d'Água. A estes, associamos, por sua vez, qualidade. A foto, a preto e branco, em plano picado, oblíquo às escadas, remete para as vanguardas soviéticas dos anos 20. Transporta-nos para escadaria de Odessa, n'O Couraçado Potemkine. A mulher de costas, que sobe as escadas hirta, com uma criança ao colo, é, em si mesma, uma história. Estaremos no entre-guerras e vemos uma jovem mãe, viúva de um soldado, que enfrenta sozinha a meia noite do século? O romance de Elena Ferrante provavelmente nada tem a ver com isto, mas a capa já nos transportou para uma ficção apetecível.
Uma Noite não são Dias
Nem sempre queremos um ler algo pesado e reflexivo. Às vezes queremos só divertirmo-nos e passar o tempo com um livro leve e bem escrito. Quem sabe soframos de insónias e ler seja o melhor remédio. Se for isso que procuramos, esta capa acena-nos. O nome de Mário Zambujal aparece no topo, em letras grandes - o que é oportuno, agora que a RTP fez da sua Crónica dos Bons Malandros uma série televisiva. Se pelo autor adivinhamos uma prosa bem disposta e sagaz, o subtítulo promete uma “paródia ao tempo que voa” (roubando-nos o sono). Sabemos assim o que nos espera. Uma jovem esbelta, cujo vestido é um prédio habitado por notívagos, cujas histórias certamente se entrelaçam nas páginas do livro, é o chamariz que falta para leitores insones.
Epidemias Como Combatê-las
Imaginemos uma capa para este título. Na nossa mente, visualizamos um fundo branco, asséptico, e as formas estilizadas de microscópios. No centro, imaginamos a inevitável esfera espinhosa flutuante, que se convencionou representar a Covid-19. Mas a capa desta edição da Aletheia Editores não tem nada disso. Toda ela é sépia e creme, manchada como uma fotografia velha. O tipo de letra talvez lembre um anúncio farmacêutico - mas dos anos 40. Ao fundo, a imagem de uma montanha coberta de neve, ladeada por pinheiros, entre os quais saltitam veados, surpreende. Sobre o inesperado cenário alpino, temos o índice: uma longa lista de epidemias várias onde falta a actual. Curiosos, folheamos o livro e percebemos que é um fac-simile de uma obra antiga. A capa afinal adequa-se. Inteligentemente, não anuncia o seu conteúdo fac-similado. Obriga-nos a abrir o livro para entender o desfasamento entre esta e as restantes edições-covid que contaminam as livrarias por estes dias.
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