1.1, 1.2: Edição: perspetiva do autor vs editor.
Afonso Matos
Da minha curta experiência no mundo da edição/produção literária retiro algumas questões quanto à relação que se estabelece entre autor e editor. Deixo de fora deste texto a visão do trabalho literário como um "mercado" e as enormes implicações que tal força assume na vida dos agentes em questão.
Em primeiro lugar, o autor parte do pressuposto de que o seu trabalho se desenvolve em total liberdade, respondendo ao seu instinto, criando de acordo com os valores estéticos e referências bebidas do vasto universo da literatura, assim como da própria realidade que vive, do seu tempo, das experiências de foro íntimo e autobiográfico. Será mesmo assim? Não estará o autor eminentemente sujeito às convenções do seu tempo? Não será o seu trabalho matéria de análise e leituras típicas da sociedade em que se insere? Está o seu trabalho consagrado à mudança ou ao esquecimento? Em última instância, que relevância assume hoje a leitura e a literatura nas nossas vidas? Uma coisa é certa, impõe-se desde logo pensar o autor como alguém que lê. A célebre afirmação de Clarice Lispector, em que a autora fala de um desinteresse e de uma renuncia à leitura, deve, em meu entender, se lida como uma provocação. A escola de qualquer autor passa por absorver referências, conhecer diferentes literaturas, com as quais irá dialogar, construindo o seu texto em oposição/consolidação de diferentes correntes literárias.
Caberá, neste sentido, ao papel do editor uma normatização do texto? Impor-lhe regras e códigos? Inseri-lo arbitrariamente em algum movimento ou "vaga de escritores"? Dar ao texto um tema, uma categoria na qual ele se insere? Que sentido mantêm estes códigos no nosso tempo, em que experiências passadas -veja-se por exemplo a poesia de E.M. Melo e Castro - a emergência de novas tecnologias e a própria eclosão do modernismo e, depois, do pós-modernsmo, funcionam como forças desaglutinadoras das regras que regulavam o mundo editorial? A figura do editor, terá ainda como tarefa primeira a revisão do texto no sentido de o corrigir e melhorar, essa é a parte do seu trabalho que se mantêm essencial em qualquer publicação. Quanto à apresentação do texto, que na sua génese pode seguir diferentes métodos muitas vezes sem uma sujeição consciente a qualquer género ou estilo, cabe ao editor compreender de que modo a obra se aproxima do leitor, sem que a sujeite a uma excessiva artificialidade, a um tema, uma influência da vida do autor, ou sem que recorra a classificações que se aproximam do anacronismo.
Se a tarefa dos autores tem os seus alicerces na criação de novas formas, de pensar e transcrever o mundo contemporâneo através da literatura, a tarefa do editor deve passar por uma atualização da forma como o "livro" poderá ser apresentado, devendo, por isso, não só conhecer um amplo espectro de textos publicados de forma inovadora, como as soluções apresentadas por outros editores e editoras, que enfrentam problemas semelhantes. O editor deverá, à semelhança do autor, constituir-se como leitor insaciável e estar atento ao trabalho de novos autores, para que a sua proposta editorial e o seu catálogo de publicações se mantenham atualizados e contribuam para o alargamento do meio.
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