João Mourão
É uma expressão curiosa, capaz de nos lançar numa espiral interminável de possíveis aplicações suas. O que é que não é suscetível de ser pensado de acordo com a sua coerência interna? Penso num texto e na sua coerência interna. Penso nos elementos desse texto e na coerência interna de cada um deles. Penso na coerência interna que se constitui na associação entre a primeira e a segunda. Penso na edição do texto e na forma como contribui para a coerência interna do mesmo. Penso na edição do livro enquanto objeto e como contribuí para a coerência interna do texto. Penso na edição de uma coleção à qual o livro pertence e como contribuí para o respeito pelo livro e pela sua coerência interna individual e, por outro lado, da sua coerência interna enquanto elemento de uma coleção cuja coerência interna pode, por sua vez, responder a uma outra série interminável de coisas: à coerência interna de um determinado tempo, de um certo autor, de uma disciplina ou de uma corrente literária. E por aí em diante. Portanto, não sei a que coerência interna nos devemos – se é que dever é a palavra – referir em primeiro lugar, ou se há uma que seja primeira face às outras, ou se é legítimo a referência a uma sem as outras.
É a minha impressão que se navega por partes, cuidando de cada interveniente e de cada processo, sem perder de vista o todo. No caso da edição, talvez
vá da coerência interna da palavra e da oração até à coerência interna do
mercado, passando pela que surge nas contribuições do paginador, do capista, e também nas do livreiro e do leitor. E, ainda assim, sinto que lhe corto o caminho, pois onde pára o livro? Certo é que não cabe
tudo num verbete. Mas eis o que me parece ser a visão aérea do estado de coisas:
coerência interna implica uma visão de conjunto e, por isso, do que é incluído
e excluído, e do que fica na fronteira. Há coerência onde o elemento extrapola
o seu espaço recôndito e alastra-se a um projeto maior, como o livro que antes estava isolado e escondido e que agora se junta a outros numa coleção ou num plano de leitura, sem querer isso dizer que fosse incoerente enquanto aguardava. E há coerência quando a visão do todo justifica cada parte sua em retorno, mesmo que um dia cada parte siga o seu caminho de forma mais solitária. Cada membro envolvido é uma prótese para todos os
outros, alargando o escopo da sua função enquanto se exibe a si mesmo.
À medida que escrevo, procurando em vão ser sucinto, apercebo-me de que não há modo de escrever sobre coerência interna de forma completa em poucas ou muitas linhas. Talvez essa possibilidade de ser sempre preenchida de uma outra maneira, na sua ampliação ou na sua redução, seja parte dessa coerência. Enfim, não há como terminar isto, nem sei porque pensei que ou se haveria como. A coerência interna está em todo o lado a tentar exibir uma regra que nos dê mais que gramática de superfície para realizarmos o trabalho desejado. Está no texto e está fora dele, e requer sempre uma equipa, cuja listagem parece interminável, para se manter. Isto não é uma conclusão, mas desconheço se há fim para o tópico que vá para lá da mera afirmação da sua necessidade.
«É a minha impressão que se navega por partes» - não me soa bem. Esse parágrafo, aliás, parece-me enroladito.
ResponderEliminarParágrafo seguinte: apercebo-me DE que. Aqui não me parece haver escolha.
«Isto não é uma conclusão, mas não sei se há conclusão para o tópico que não a mera afirmação da sua necessidade.» Bom final, mas com três nãos seguidos...
Estava 'enroladito', de facto. Não sei se ficou mais claro agora.
ResponderEliminarOs três 'nãos'é que não gostei mesmo quando reli. Espero que tenha melhorado um pouco a leitura. Obrigado Professor.