Tenho pensado bastante sobre o significado do livro. Ao observar os exemplares que fui adquirindo ao longo dos últimos anos, eis que chego a uma conclusão. Por mais livros que arrume na minha estante, não existe uma cópia que sintetize o(s) significado(s) que faz(em) do livro um objeto. Procuro inutilmente um modelo que possa explicar o sentido semântico do que entendemos enquanto livro. Como sabemos estar diante de um livro se o mesmo se apresentar num formato divergente? A etimologia recorda-nos que a palavra livro deriva do latim liber. Este termo era utilizado para designar a película encontrada entre a madeira e a casca exterior da árvore, da qual se fazia a matéria-prima que, mais tarde, serviria para a fabricação de uma pasta, que corresponderia ao papel nos dias de hoje.
Ao recordar o contributo de Ferdinand de Saussure no campo da linguística, será interessante pensar no livro à luz do esquema seguinte: Signo – significado – significante. Segundo a dicotomia saussuriana, o signo traduz-se na combinação do significado e significante. O livro é, conceptualmente, a junção do significado (conceito mental de livro que reside no conteúdo) com o seu significante (imagem acústica ou gráfica de uma palavra que reside na forma). Assim, livro enquanto signo é uma unidade linguística possuidora de um significante (imagem acústica) e um significado (conceito). Ao falarem-nos de um “conjunto de folhas ou de cadernos, manuscritos ou impressos, reunidos ordenadamente e cosidos ou colados num dos lados, de modo a formar um volume, geralmente protegido por uma capa de material resistente”, sabemos do que se trata, pois já registámos cognitivamente o que é um livro. Contudo, na segunda aceção lexicográfica, um livro também é:
“qualquer obra literária, científica ou de outra índole que tenha extensão suficiente para formar um ou mais volumes”
A unidade lexical livro remete-nos para três campos. 1. A palavra é uma unidade linguística. 2. É também dotada de uma representação mental. 3. Existe ainda na forma gráfica ou sonora. E.g. LIVRO = (imagem mental) + li.vro . ˈlivru (palavra falada ou escrita). A referência da teoria saussuriana foi lembrada, a fim de pensarmos no livro num plano conceptual e não apenas material. As paragens por onde se estabeleceu são hoje múltiplas e transfronteiriças. Encontramo-lo digitalmente mas também em estantes. Tudo é um livro desde que possa funcionar enquanto suporte para o registo pictórico e/ou textual.
Não obstante, as restantes entradas lexicais deixam de fora algumas das formas que o livro apresenta na contemporaneidade. Hoje, o livro transmutou-se, surge agora nos mais variados formatos. Partiu do seu lugar em estantes para vir parar ao ciberespaço, passou a ser imaterial. O texto que passa frequentemente pelos nossos olhos é escrito e lido em ecrãs. Outro fenómeno curioso é o da incorporação de texto em corpos humanos através da tatuagem. Uma breve pesquisa é suficiente para exemplificar este tópico. São inúmeras as pessoas que tatuam palavras, frases ou até textos nos seus corpos. Diria mesmo que, o corpo funciona como livro, no sentido em que passa a servir enquanto recetáculo para um conjunto de palavras ou frases escritas, fazendo das nossas corporalidades um meio por onde se transmitem códigos, ideias e pensamentos. Se um livro existe para transportar (con)textos, porque não fazer do corpo um arquivo onde se registam ideias, lembranças e memórias para a sua leitura? A paragem do livro é subjetiva.
Miguel A. Baptista
Fontes:
Infopédia: livro in Dicionário infopédia da Língua Portuguesa [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2020. [consult. 2020-11-29 23:28:36]. Disponível na Internet: https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/livro
https://www.kspublishers.com/shop/ivan/ (E.g. Corpo tatuado)
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