domingo, 8 de novembro de 2020

Em torno da rapidez hodierna

Hugo Alexandre Martins


«A busca da aceleração e da velocidade tem influenciado sobremaneira a dinâmica dos filmes, a música, a redação jornalística, levando à concepção – questionável, a propósito – de que tudo [o] que é lento e por demais refletido não se ajusta aos novos tempos.»

Sugestionado pela frase em destaque, retirada do manual Além da Revisão, de Aristides Coelho Neto (2008), partilho convosco uma breve reflexão.

Em virtude da explosão tecnológica iniciada no dealbar do presente milénio, o ser humano, quando confrontado com uma atividade que dele exige algum vagar, tende a franzir o sobrolho.
Num cenário como aquele em que nos situamos, onde a máxima «o tempo é dinheiro» se vulgarizou, parece-me inteiramente justificada a asserção de que hoje, mais do que nunca, vivemos sob o manto da ditadura do relógio. A confirmá-lo está o facto de, na hora de escolher um filme, a duração do mesmo figurar como um dos critérios mais importantes de seleção, quando não fator único. Economizar todo e qualquer nanossegundo – essa parca areia que, por entre os dedos, se nos escapa – é, para um cada vez maior número de pessoas, absolutamente vital.
Impõe-se agora uma questão: até que ponto este desejo voraz pelo veloz tem introduzido no meio editorial mudanças significativas? Num quadro como o atual, onde é prática corrente estimar o tempo médio de leitura de um artigo online, atrevo-me a afiançar que o ato de ler, com demora e sábia lentidão, está paulatinamente a cair em desuso. Aliás, o crescimento exponencial da designada «literatura light», a que se tem vindo a assistir, é bastante sintomático deste novo paradigma onde devorar é mais importante que degustar. Estou em crer que, nos dias que correm, a maioria aprecia e julga a conveniência de um livro, e não já a qualidade, em função, apenas e só, do número de páginas. A bitola é outra. Pouco interessa o valor intrínseco de uma obra na sua inteira grandeza.
Todos nós vivemos reféns do pulsar Tempo, o maior e mais antigo de todos os tecelões, para aqui retomar uma expressão de Charles Dickens. Resta saber em que medida o gosto pelo prazer imediato, a que não nos devemos vergar, tem produzido alterações de monta no universo da edição.
Cumpre lembrar, já a concluir, que "um bom concerto é feito tanto de bons allegros quanto de dolentes adágios" (Pinsky apud Coelho Neto, 2008, p. 29).

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