quinta-feira, 8 de outubro de 2020

7.1. Livrarias, alfarrabistas, hipermercados

O hipertexto permite-nos dar a volta ao mundo sentados. São as ligações confortáveis low-cost, a partir de um sofá europeu. Deambulando pela cidade condal fumada pelas crónicas de Enrique Vila Matas tropeço no “escritório da agente literária Carmen Bacells”. Assim de repente, somos centro, em plena Lisboa, e também periferia assistindo a uma explicação acerca da burguesia decadente no seu esplendor, em pleno bairro Eixample.

O café ainda fumega e o e-mail já dispara mais uma campanha da WOOK “Novidades com 10% imediato e portes grátis!”. Será isto a livraria que convida o nosso tempo? 

Entre a compra de uma posta de bacalhau e duzentas gramas de fiambre haverá espaço no cartão Continente para os des-contos na carne das palavras de Agualusa?

Stephen King afirma que escrever é humano e editar é divino, portanto deve haver bons motivos para os livros estarem ali ao lado das sardinhas. Descobriremos.
Sábado na Rua da Anchieta e navegam cartazes coloridos a indicar as obras a cinco, dois e um euros.

Será que ainda não entenderam que nós, os leitores, preferimos os livros ao dinheiro?
A materialidade do livro deve transportar-nos ao lugar onde ele é centro.
Não serve, pois, falar das estantes preenchidas pelas cores dos clássicos, os balcões povoados pelos best-sellers ou os sacos de pano pois a importância do livro está contida nas conversas com os livreiros, no respirar da história de cada estante ou na profundidade de oferta de autores até aí desconhecidos.

Como continuaremos a ler livros se não existirem obras com peso e capa onde arrumar as palavras dentro? Como poderão os caracteres soltos no mundo infinito das entradas virtuais servir de mnemónica para modos de usar? O futuro pode nem parecer assim tão mau (pois está à distância), mas o único desafio agora é o presente e já só nos restam os livros fora dos ecrãs.

Compro o livro inteiro na livraria Ferin. Entre as cinco obras de Italo Calvino editadas pela Dom Quixote, sobrevive uma única ao seu lado editada pela Teorema, capa azul, letras douradas em baixo relevo: “Seis propostas para o próximo milénio”. Volto a ser viajante neste reencontro sugerido com as páginas numeradas nesse edíficio literário, esquecendo, por agora, invisibilidades e descrições, pronto para desbastar terreno pois “sabei que, segundo o amor tiverdes, Tereis o entendimento de meus versos”.

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