Um livro até o ser passa por um conjunto de etapas que o “montam” em diferentes aspetos e por processos distintos. Mas, assim como a construção de uma casa obedece a um plano desenhado por um dado arquiteto (o blueprint), correto seria também dizer que o livro só chega a ser constituído livro se obedecer ao plano escrito pelo autor: o texto.
Logo à partida, esta premissa levanta várias questões, por exemplo, o que faz um livro ser livro? Será mais importante a produção do texto pelo autor ou a conceptualização da capa pelo capista? Cada passo em direção à publicação de um livro tem a importância dada pelo seu peso e pela sua medida durante o processo de edição. Na sequência da minha experiência como revisor de texto no contexto editorial, aprendi a olhar para a construção de um livro sempre pela ordem cronológica da sua produção.
No
início do seu fabrico, o livro era apenas uma ideia de um autor. Depois de elaborada,
esse autor formulou palavras que fossem capazes de ilustrar essa ideia através
da organização destas unidades lexicais num texto coeso e coerente. Tendo o
manuscrito concluído e revisto, as vezes que forem possíveis, procede-se ao
desenho de caráter ornamental: as ilustrações e a capa. Nesta lógica, estou
convicto de que o texto é primordial face à capa, uma vez que o que é
escrito vem antes da capa e, assim sendo, a ideia para a capa precede-a e está
presente no texto. Para além disso, o texto é o miolo do livro e não lhe
podemos negar o seu valor absoluto. Podemos ter um livro sem capa. Contudo, duvido
que algum dos meus colegas tenha posto os olhos num livro sem qualquer tipo de texto.
Esta pequena reflexão, que pretende provocar outras, focaliza o texto no campo da edição crítica e servirá, espero eu, a partir deste momento, para roçar em alguns pontos importantes que poderão vir a ser tema em aula. A edição crítica é uma operação indispensável à perfeita compreensão de um texto e situa-se a seguir à sua produção, ou seja, pertence à sua transmissão.
Qualquer alteração que o
texto venha a sofrer é de responsabilidade alheia ao autor. Por este motivo, e
conforme foi tocado na primeira aula, torna-se a tarefa do editor eliminar o
ruído que se interpõe na comunicação entre o autor (emissor) e o leitor
(recetor), permitindo a receção do texto em boas condições, mas não só,
o editor acarreta em todo o momento a responsabilidade de respeitar a última
vontade do autor. A finalidade da edição crítica tanto é, por um lado, intervir
no texto para corrigir possíveis erros do autor como, por outro, garantir que o
que é lido é a mesma coisa que o autor prevê ser interpretada
pelo leitor. É uma tarefa predominantemente colaborativa, em que pode
prevalecer em muitos casos a vontade do autor.
No entanto, quando nos deparamos
com manuscritos ou edições antigas, após uma morte hipotética do autor, a
emenda é feita à base da conjetura, sendo que a formação linguística,
filológica e teórico-literária do editor vai importar. Concluindo, sendo o
texto a tábua de madeira que vai ser trabalhada, recortada, envernizada e, seguidamente,
disposta no sítio adequado do soalho da casa, cabe ao editor ter a sensibilidade,
precisão e mestria para pôr os pregos no lugar, pelo que não se deve nunca
retirar o mérito que lhe é devido.
Miguel Francisco
Sem comentários:
Enviar um comentário