"Editar (…) é tomar uma posição face ao mundo pelas escolhas que fazemos"
Estas são palavras de Luís Oliveira, editor septuagenário, fundador e mentor da Antígona, no prefácio de Antígona: 40 anos +1, livro que assinala os quarenta anos (mais um) desta editora que se chama a si mesma de refractária. Nascida em 1979, e estando precisamente entre um dos "grupos de risco" da actual pandemia - o grupo das editoras -, a casa de Luís Oliveira solta desta forma mais um brado de resistência.
40 anos +1 é uma coleção de "textículos" - citando Manuel Portela, um dos colaboradores desta edição e desta editora -, ensaios, crónicas, poemas, entrevistas ou apresentações de livros. Tal como os anos comemorados, são quarenta os autores e os textos. São trinta e nove mais um, na verdade. Trinta e nove "observadores-participantes" da Antígona - editores, tradutores, autores e companheiros de viagem - mais o fundador, que prefacia, seleciona e organiza os textos. Margarida Vale de Gato, António Guerreiro, Rui Catalão, Anselm Jappe, José Pinho ou Francisco Vale estão entre os nomes que assinam as quarenta velas de aniversário, algumas verdadeiramente incendiárias. Uns são facilmente reconhecíveis, outros vale a pena conhecer. Quando nos jogamos aos textos, encontramos os que são simplesmente magníficos e outros que não chegarão a tanto. Mas nenhum aborrece ou está a mais.
Mas não só de textículos vive o livro. Todo ele é textura. Textura táctil, das páginas grossas e da capa de cartolina rija, mas não só. Além de apelar aos sentidos, esta edição cuidada, original mas equilibrada, nas cores e no estilo gráfico que identificamos com a Antígona, apela a outras leituras. Apela à memória de clássicos que lemos pela mão destes editores refractários - 1984 ou o Admirável Mundo Novo, por exemplo. Mas apela também a leituras ainda por fazer, de livros que até aqui não conhecíamos e que agora já não podemos deixar de ler. Mais que a textura táctil, é essa que fica desta edição: a textura textual. São textos, livros, autores, temas e géneros, ligados entre si por mil e um fios de leitura, reflexão, denúncia e subversão, que os convidados de Luís Oliveira redescobrem neste volume. Ao fazê-lo, tecem não uma manta de retalhos mas uma apresentação têxtil, tão diversa e coerente como o Catálogo da Antígona. O resultado é um belo artefacto material, um livro de histórias que é um estudo de caso (e de casa) a oitenta mãos e que conta o percurso corajoso e improvável de uma Editora que há quarenta anos se dedica a "empurrar palavras contra a ordem estabelecida".
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Fiz esta recensão para o nosso blogue porque quis partilhar esta leitura convosco. Uma boa leitura sabe ainda melhor quando partilhada. No contexto do nosso Mestrado e desta cadeira em específico, penso que estas linhas não só cabem no espírito de "Caderno de Viagem", que este blogue pretende ser, como sugerem uma leitura realmente útil. Pessoalmente aprendi um pouco mais sobre o mundo editorial em geral e sobre esta editora em particular ao ler este livro. Dei por mim a percorrer as estantes de minha casa e a perceber que tenho mais livros da Antígona do que pensava. E após assimilar a linha condutora do catálogo, verifiquei que conseguia antever qual era o próximo “antigonista” da prateleira: “Se este é... aquele também deve ser.” E na lombada, uma caraça com a língua de fora ia confirmando a expectativa.
De resto, trata-se de uma editora que não foi nomeada no exercício da nossa primeira aula. É mais uma para a nossa lista, portanto. Além disso, vários dos temas do programa - arte ou ciência, cultura ou mercado, o papel dos livros, entre outros - encontram pistas de reflexão interessantes nas páginas desta edição comemorativa. O livro não é caro (15€) e é fácil de encontrar nas livrarias. Mas se alguém quiser, empresto o meu com gosto, previamente borrifado com álcool gel.
Manuel Afonso
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