terça-feira, 6 de outubro de 2020

10. O que quero ler e o que quero ver?

João Mourão    

    Apesar de considerar ter hábitos de leitura razoáveis, por vezes indisciplinados, distribuídos por diferentes géneros, a maioria dos livros que manuseio e leio são o alvo de um duplo fim: por um lado, prazer e perdição, por outro, são materialização da obrigação académica. Devo acrescentar que escrevo a considerar textos filosóficos, porque é essa a minha área de estudo. A edição destes textos passa por uma variedade de estágios, a maioria dos quais desconheço, e que espero ficar a conhecer no futuro, talvez através desta disciplina. Mas se a edição é um casamento, como foi dito na primeira aula, em que o livro se apresenta ao leitor como pretendente com ideias sérias quanto ao futuro de ambos, então há algo que sei quanto à edição de textos académicos e de textos filosóficos no geral, pelo modo como se me deram a conhecer e pelo tom com que expressaram as suas intenções: é um processo regrado, de produção em série, que desconhece o texto fora da coleção em que foi colocado. Na minha estante, demasiados livros diferentes parecem iguais, o que me suscita dúvidas quanto a com que me estou a casar de todo. Há motivos para isto, bem sei. São livros pertencentes a uma disciplina que lhes dá um chão comum. São livros produzidos pela mesma editora e obedecem à imagem de uma marca. E, acima de tudo, são livros com uma estrutura semelhante, da qual aquela que é incentivada dentro da academia muitas vezes se assemelha. É este cruzamento que me parece curioso. Porquê uniformizar edições de textos que pertencem a uma área onde tantas vezes o indivíduo é a primeira fonte e objeto de um estudo que pode até recusar pretensões de objetividade? Porquê estender às humanidades, na academia, este modelo? ‘Coloque-se a si naquilo que escreve’ – dizia-nos um professor no primeiro ano de licenciatura. E depois use uma norma - poderia ter acrescentado -, use um modelo para a capa, uma fonte de certo tipo e tamanho, margens de centímetros bem contados e notas e referências padronizadas, para que aquilo que escreve se apresente como algo que qualquer outro possa ter escrito. Vão havendo exceções. Na exposição da Feira Gráfica de Lisboa, alguns projetos são produto de trabalho académico. Que aconteceria se um texto filosófico como qualquer uma das Críticas, um Tractatus, qualquer um que se diga fundamental, fosse acompanhado de uma edição particular ao seu conteúdo e que exibisse descaradamente a sua forma? E se esse modelo se estendesse à edição  de revistas e provas académicas? Um dos livros que passei agora pelas mãos foi de uma difícil leitura, e a dada altura ilustrei aquilo que li para que se tornasse mais claro para mim. Um texto filosófico ilustrado. Sendo o livro que é, pouco mais críptico que a literatura escrita acerca dele, e o quão confusos são os desenhos, parece-me cómico. Mas porque não?



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