Os papéis de um livro podem surgir em diversas cores, formatos e texturas. O aroma que é emanado recorda-me sempre o doce e suave odor da baunilha. As páginas amareladas e envelhecidas convidam ao toque e o livro enquanto objeto parece oferecer-se como uma peça numa exposição, pedindo para que usemos a visão e contemplemos a sua materialidade. Apesar de encarar a leitura como um ato onde a visão e o tato ocupam um lugar de primazia, não consigo dissociar o olfato como um igual participante nesta interação. Cheirar as páginas de um livro é também participar no enredo. É ao formar esta relação triangular, que me encontro a refletir sobre os vários papéis possíveis que um livro pode ter na civilização. O livro é a estação de onde partimos. A leitura é a locomotiva que nos permite deslocar. O leitor é o passageiro que viaja comodamente, transportado sobre palavras que funcionam como caminhos de ferro, levando-o ao seu destino.
Um livro não é só um objeto onde juntamos palavras. É também um artefacto que espelha o tempo de uma sociedade fragmentada. Um livro permite-nos viajar no tempo e participar em mundos paralelos ou (ir)realidades não vividas na primeira pessoa. Partimos para o futuro, regressamos ao passado e voltamos ao presente à procura de respostas. Respostas que possam explicar o abominável mundo novo em que vivemos. O livro funciona assim como um dispositivo disruptivo, uma verdadeira máquina do tempo.
A humanidade tem nas suas mãos um verdadeiro instrumento para a sua educação e desenvolvimento. A escrita atua como um suporte para o diálogo, onde qualquer ser vivo e senciente, é capaz de se expressar através da comunicação textual. É editando, publicando e traduzindo em qualquer idioma que se faz política, porque escrever é inscrever na história a nossa presença, deixar um registo das nossas práticas, do que fomos e do nosso ethos.
Em síntese, um dos vários papéis do livro é o da consciencialização coletiva e/ou individual. Escrever e ler é participar no acesso à informação. É poder ter voz e articular pensamentos. É coexistir num planeta cada vez mais digital, globalizado e veloz, onde a economia dita o modus operandis da nossa sociedade contemporânea, mas onde o livro cumpre um papel democrático para (re)pensar o sistema vigente.
Miguel A. Baptista
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