domingo, 4 de outubro de 2020

9. Sobre o futuro do livro

Joana Camões Pereira

 

Pensar o futuro requer sempre olhar para o passado e ver o que se perdeu em detrimento de novas necessidades. Durante a Idade Média, o livro era mais do que o meio de transmissão de texto — era um objecto de arte em que a caligrafia era cuidada, as iluminuras eram pormenorizadamente trabalhadas em diversas fases, as capitulares abriam grandiosamente os capítulos com cores vivas e, por vezes, até as margens tinham adornos únicos. Porém, estas cópias apenas se encontravam disponíveis no meio monástico, pelo que, quando surgiram as universidades, espoletou a necessidade de disponibilizar os textos canónicos para os estudantes. Tornou-se, então, num negócio copiar capítulos e obras essenciais, mesmo que fosse numa caligrafia desabrida — o que importava era divulgar.

No século XV, Gutenberg juntou o fósforo à acendalha, iniciando-se a Revolução da Imprensa, que permitiu a divulgação em massa de conhecimento e, posteriormente, a industrialização da produção, visto que o público leitor cada vez mais se alargava.

Volvidos séculos, chegamos ao presente. Os livros que enchem as nossas estantes são cópias de tiragens de centenas ou milhares de exemplares. Os novos livros de bolso ocupam alguns megabytes nos e-readers, tablets ou telemóveis, e basta uma viagem em hora de ponta no metropolitano de Lisboa para perceber que uma camada considerável de leitores prefere uma superfície luminosa para ler à rugosidade do papel. Tal tendência é corroborada pela crescente disponibilização de títulos em linha, servindo de exemplo The Collection, da Livraria Lello (https://www.livrarialello.pt/pt-pt/the-collection), as obras disponibilizados gratuitamente pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda (https://www.incm.pt/portal/livros_edicoes_gratuitas.jsp) e, mais recentemente, as publicações da Fundação Calouste Gulbenkian (https://gulbenkian.pt/publicacoes/).

Terá o livro físico morrido sem que déssemos conta? Não. Contudo, é mister repensar o seu papel. A disponibilização em massa é agora feita através de dispositivos electrónicos, por isso, é anacrónico pensar o livro como um mero veículo de transmissão de ideias, torna-se cada vez mais urgente valorizar as suas características singulares — não há ecrã que imite o relevo das gravuras de William Blake, mas a tecnologia para o ter em papel está disponível. Que este remexer nas entranhas do passado do livro sirva para vislumbrar o seu futuro.

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