Ana Filipa Leite
No prólogo do seu livro Techniques of the Selling Writer, Dwight
V. Swain define o tipo de escrita que vai abordar como “the process of creation
as applied to fiction… the conjuring up of original stories out of the
nether reaches of your mind.” Mas será que as histórias escritas hoje em
dia ainda podem ser originais? Não foi já tudo feito? Os autores nossos
contemporâneos não reciclam apenas material antigo?
Num tempo em que os vários géneros
literários são dominados por convenções/tropos e em que existem inúmeras “fórmulas”
para estruturar histórias de sucesso (como o famoso método Save the Cat, de
Blake Snyder), podemos ter a sensação de que já todas as histórias foram contadas
e que cada livro novo é apenas uma reformulação de qualquer coisa pré-existente.
Ugh, outro romance com vampiros? Mais um policial em que a esposa maluca é a
assassina? Quando é que alguém vai aparecer com qualquer coisa verdadeiramente nova,
fresca, revolucionária?
Ou estaremos a olhar para a
noção de originalidade de uma maneira que não pode ser aplicada à criação
literária? Afinal, o que são essas “original stories”?
Em A Writer’s Notebook, W. Somerset
Maugham argumenta que ninguém consegue ser original quando tenta sê-lo: o
artista original é apenas ele próprio e cria a sua arte de um modo que para ele
é perfeitamente natural e óbvio. Por a maneira de ser desse artista nos ser
estranha, dizemos que ele é original.
E a noção de originalidade de Swain
parece ir de encontro à de Maugham:
It’s hard to accept yourself for what you are, sometimes. No one likes
to admit to inadequacy or limitation.
[…] Ben Hecht was no Virginia Woolf, nor was Woolf a Eugene Ionesco.
Herman Wouk, Erle Stanley Gardner, and A. J. Cronin each found his place.
They did it by being themselves, not fakes of copyists.
Ou seja, a originalidade reside
na individualidade. Ela é encontrada quando não aspiramos a ter o estilo de
outro artista e criamos de uma forma que nos é natural sem deixar de ser
trabalhosa (porque trabalhar de maneira natural não implica deixar de aprender
e de tentar evoluir enquanto criador, evidentemente). Temos de encontrar o nosso
lugar no mundo e na arte. Podemos escrever mais um romance de vampiros, mas vai
ser o nosso próprio romance de vampiros, repleto de uma especificidade e estilo
que nenhum outro autor alcançaria tão naturalmente como nós.
E será que queremos mesmo ler
algo completamente novo, algo que não retenha ideias com que já estamos
familiarizados? Somos criaturas de hábito. Eu já devo ter lido dezenas de
romances com mansões vitorianas assombradas, mas se vir à venda um novo acham
que não o compro sem pensar duas vezes?
Cada um de nós tem os seus gostos a
que volta recorrentemente. Sabemos o que nos agrada e queremos mais do mesmo,
mas sempre um bocadinho diferente. E essas diferenças conferem
originalidade às obras e aproximam-nas mais ou menos do nosso gosto pessoal.
Eu gosto que mansões vitorianas assombradas
sejam incluídas em livros, mas não gosto de todos os livros que as têm. Todos eles
são diferentes, apesar de terem aspetos em comum. E são esses aspetos que
identificamos como algo de que já gostamos à partida – e não a “originalidade”
louca de os livros serem algo nunca antes visto – que nos atraem enquanto
leitores.
Tudo é original se não for uma
imitação de outra coisa e vamos para sempre poder escrever histórias
originais. Mesmo com esta indústria do livro que passa por modas e parece publicar
muito do mesmo, nunca vamos ficar sem histórias novas que nos surpreendam.
Inspirarmo-nos em obras já
existentes, aderirmos às convenções de um género ou estruturarmos uma história
de acordo com um método específico não nos tiram a originalidade que nos é
própria, mas também não nos garantem sucesso.
Fontes (com links para livros legalmente gratuitos):
A Writer’s Notebook, de W. Somerset Maugham
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